SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após 14 anos, a missão Juno, da Nasa, pode estar chegando ao fim. A etapa estendida do projeto chega a seu final neste mês de setembro, e não há planos por parte do governo em financiar mais uma extensão -uma perda irreparável para o programa espacial americano, levando em conta o que a sonda já revelou sobre os mistérios de Júpiter e, sobretudo, as descobertas que ela ainda poderia fazer.
“A Juno oferece uma oportunidade única para investigar regiões anteriormente inexploradas do sistema joviano”, diz Scott Bolton, cientista-chefe da missão e membro do SwRI (Instituto de Pesquisa do Sudoeste, em Boulder, Colorado), ao defender a continuidade da missão em documento publicado pela ONG Planetary Society, preocupada com os cortes vorazes propostos pela administração Donald Trump ao programa de ciência planetária da Nasa.
“Sua próxima fase incluiria sobrevoos próximos das luas Tebe, Amalteia, Adrasteia e Métis”, complementa. “Além da exploração científica, a Juno está trazendo novas informações críticas relevantes para segurança nacional, ao nos mostrar como sistemas espaciais podem sobreviver e mesmo reverter a degradação causada pela exposição a intensa radiação.”
Com efeito, a Juno foi enviada a um dos ambientes mais inóspitos do Sistema Solar e sobreviveu muito mais tempo do que originalmente planejado. Lançada em 5 de agosto de 2011, a sonda levou pouco menos de cinco anos para chegar a Júpiter e se estabelecer em órbita do maior dos planetas do Sistema Solar, em 4 de julho de 2016, tornando-se o segundo orbitador a visitar aquele mundo, depois da sonda Galileo (1989-2003).
O principal objetivo era investigar a estrutura interna de Júpiter, algo que a Galileo não estava equipada ou posicionada para fazer. Juno foi colocada em uma órbita polar elíptica bastante excêntrica (matematiquês para “achatada”), dando uma volta em torno de Júpiter a cada 53 dias. Os planos originais previam uma manobra para encurtar esse período orbital, mas problemas técnicos levaram Bolton e seus colegas a replanejar a missão para trabalhar a partir da órbita inicial. A escolha não teve impacto na produção científica, apenas tomou mais tempo na coleta de dados.
Felizmente, a espaçonave resistiu bravamente às 35 órbitas da missão principal, fazendo voos rasantes a menos de 5.000 km do topo das nuvens do gigante gasoso durante seu periapse (ponto mais próximo do planeta ao longo da órbita). Nisso, a sonda era obrigada a cruzar periodicamente o intenso cinturão de radiação que circunda Júpiter, gerado pela interação do vento solar com o poderoso campo magnético do planeta.
O ambiente é tão hostil que a eletrônica da sonda teve de ser colocada num invólucro de titânio, para reduzir o impacto da radiação sobre os sistemas.
DESVENDANDO A ESTRUTURA INTERNA
A Juno produziu uma espécie de radiografia do interior do planeta. Medindo pequenas variações no campo gravitacional de Júpiter em cada uma das passagens, os cientistas podiam determinar a distribuição da massa nas camadas mais profundas daquele mundo gasoso.
Seu objetivo principal era determinar se Júpiter tinha um núcleo metálico, essencial para compreender como o maior planeta do Sistema Solar se formou (e, por consequência disso, influenciou a formação de seus irmãos, dentre eles a Terra). Os pesquisadores trabalhavam com duas hipóteses: ou ele teria o tal núcleo, o que aproximaria seu processo de formação daquele que deu origem aos mundos rochosos do sistema (como a Terra), ou ele não teria, indicando uma origem diferente do tradicional modelo de acreção de planetesimais.
Como não é incomum na exploração espacial, a Juno revelou que ambas as possibilidades não correspondiam à realidade. Os dados mostraram que Júpiter tem um núcleo, mas não é denso, com uma delimitação clara, como ocorre nos planetas rochosos, mas é poroso e algo como diluído, parcialmente misturado às camadas superiores do planeta.
Os cientistas ainda estão por explicar como o planeta acabou tendo esse núcleo difuso.
PAISAGENS NUNCA VISTAS
Em razão de sua órbita, Juno ofereceu a oportunidade de observação dos polos do planeta -algo que nunca havia sido feito, nem pelo orbitador Galileo, nem pelas sondas anteriores que chegaram a sobrevoar Júpiter (Pioneer 10 e 11, e Voyager 1 e 2). As imagens também trouxeram surpresas com tempestades persistentes que giram ao redor do polo.
Ninguém sabe no momento explicar por que as coisas são diferentes no polo norte e no polo sul joviano, ou porque as tempestades são tão estáveis, observadas ao longo de toda a missão.
Essas formações das nuvens do planeta foram observadas não só pela câmera de infravermelho originalmente pensada para a missão, mas também por uma câmera de luz visível que foi colocada de última hora, quase de improviso, partindo do pressuposto de que seria muito triste fazer toda a jornada até Júpiter e não levar um equipamento do tipo para produzir imagens do espectro visível.
Assim nasceu a JunoCAM. Baseada em equipamento comercialmente disponível, esperava-se que ela fosse a primeira a sucumbir ao ambiente de radiação. Mas ela segue operacional.
MISSÃO ESTENDIDA
Com o fim da missão primária, em julho de 2021, a Nasa decidiu dar uma sobrevida à Juno até setembro de 2025. A partir de agosto daquele ano, ela seria não só uma orbitadora focada em Júpiter, mas também em três das maiores luas jovianas: Ganimedes, Europa e Io.
E é com esse foco que ela vem trabalhando desde então, fazendo sobrevoos ocasionais das luas e colhendo dados de sua estrutura interna, além de imagens das superfícies.
As observações da Juno já desafiam o entendimento que se tinha de Io, o corpo geologicamente mais ativo do Sistema Solar, com uma vasta rede de vulcões. Em vez de ter um oceano subsuperficial global de magma, como antes se imaginava, o satélite parece ser salpicado de bolsões e cavernas preenchidos com o material, que eventualmente chega à superfície e produz as poderosas erupções.
A expectativa da equipe de Bolton era obter uma nova extensão para a Juno, desta vez indo até outubro de 2028. Não era irrazoável, considerando que essa é uma estratégia consagrada da Nasa para tirar o maior valor de cada missão, a espaçonave está saudável, ainda tem muitos retornos científicos a fornecer e seu custo de manutenção é muito inferior ao de lançar uma nova sonda do zero. Isso sem falar no fato de que as próximas missões a Júpiter, a americana Europa Clipper e a europeia Juice, embora já estejam a caminho, só chegarão lá em 2030 e 2031.
Infelizmente, vivemos tempos irrazoáveis. O orçamento da Nasa proposto para o ano que vem pela Casa Branca prevê um corte de 47% no programa científico da agência e inclui planos para o cancelamento de 41 missões, muitas das quais já em andamento, como é o caso da Juno.
Não é a primeira vez que o governo americano tenta cancelar missões em andamento, e em geral o Congresso age para impedir essas perdas irreparáveis. No atual contexto, contudo, e diante de proposta tão amplamente devastadora, não está claro que isso vá acontecer. A Juno resistiu à poderosa radiação do entorno de Júpiter, mas dificilmente resistirá ao colapso da ciência americana.