BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – No futuro, é possível que um simples exame oftalmológico de rotina releve para médico e paciente sinais precoces de Alzheimer. Parece cenário de ficção científica, mas essa é uma tecnologia que uma equipe de pesquisadores americanos está tentando desenvolver.
Segundo os autores de um novo estudo, pacientes precoces dessa demência podem apresentar alterações microscópicas nos vasos sanguíneos das retinas que indicam os primeiros estágios da doença. Os resultados foram publicados na revista científica Alzheimer’s & Dementia.
Essa tecnologia, entretanto, ainda não existe. Por enquanto, esses sinais foram observados apenas em camundongos de laboratório modificados geneticamente para desenvolver doenças semelhantes ao Alzheimer. Em particular, os autores do trabalho estudaram uma mutação que ocorre em cerca de 40% das pessoas.
Os resultados das retinografias mostraram que os olhos dos animais tinham vasos torcidos, artérias estreitadas e inchadas e menos ramificação dos vasos. Os cientistas também descobriram mudanças no padrão de proteínas tanto no cérebro quanto nas retinas desses roedores.
A nossa retina é uma parte do sistema nervoso central. Para alguns cientistas, ela é até mesmo considerada uma extensão do cérebro. Mas diferente do órgão que fica trancado em segurança dentro da caixa craniana, nossos olhos são janelas que oferecem uma visão ampla dessa rede neuronal se você tiver as ferramentas certas.
No futuro, o grupo de pesquisadores pretende dar início a estudos com humanos, para confirmar ou refutar as primeiras descobertas. A esperança é que consigam identificar sinais característicos que possam ajudar a diagnosticar os primeiros sinais da doença em exames oftalmológicos de rotina com uma antecedência de até 20 anos dos primeiros sintomas.
Viviane Zétola, professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná), conta que, na clínica, para pacientes idosos com queixa de esquecimento, o protocolo consiste em fazer exames de audiometria. “Ainda não existe a mesma coisa para paciente com distúrbio visual”, diz. Segundo ela, é preciso ao menos investigar comorbidades com relações já conhecidas com a demência, como a catarata e glaucoma.
A existência de uma relação íntima entre a neurodegeneração e a ocorrência de problemas oculares é um fato já bem estabelecido na literatura médica. A perda de visão, hoje, é reconhecida como um dos 14 fatores de risco modificáveis para Alzheimer, segundo a prestigiada comissão da Lancet para Alzheimer. Os especialistas, entretanto, não têm certeza dos mecanismos fisiológicos que conectam esses dois fenômenos.
Uma estudo de coorte publicado na prestigiada revista Jornal of American Medical Association mostrou que a catarata é capaz de aumentar o risco de demência, especialmente do tipo vascular, em 92% e leva à redução do volume da massa cinzenta.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram dados de mais de 300 mil pacientes disponíveis em um banco de dados britânico, o UK Biobank. Os resultados encontrados também sugerem que o tratamento da doença é capaz de reverter esse risco.
Uma revisão guarda-chuva analisou o resultado de 13 meta-análises compreendendo os dados de 230 artigos de pesquisa originais. Os resultados mostram que, embora não haja evidências altamente convincentes, a catarata e a degeneração macular mostraram uma relação significativa com o surgimento de Alzheimer. A perda de visão e retinopatia diabética também mostraram correlações, porém, mais fracas. No total, as informações coletadas abrangem mais de 99 milhões de participantes ao redor do globo.
Mas enquanto tecnologias inovadoras ainda não surgem para promover o diagnóstico precoce da doença, prevenir o Alzheimer e outras demências é possível com mudanças simples de vida. “É preciso manter a cabeça ativa e uma vida social”, segundo Alessandra Camacho, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense). Estudar, ler, se manter ativo, não fumar, evitar o consumo de bebida alcoólica, manter uma alimentação equilibrada e praticar atividades físicas são algumas das recomendações da especialista.