SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando Carmen Morrone Costella estudou no Dante Alighieri, nos anos 1930 e 1940, havia aulas de latim e francês, sua turma era só de meninas e o uniforme era saia pregueada com meias brancas e sapatos pretos.

Passadas mais de oito décadas, muita coisa mudou no colégio localizado na região da avenida Paulista, mas seus bisnetos ainda caminham pelos mesmos corredores do prédio de tijolos onde ela caminhava com seus sapatinhos pretos.

Aos 97 anos, Carmen é a matriarca de uma família cuja história se confunde com a da escola fundada em 1911 por imigrantes italianos. Desde que duas de suas tias foram matriculadas no Dante, 23 membros de cinco gerações dos Costella estudaram lá.

O 24º -Roberto, de 1 ano, bisneto de Carmen- já está na lista de intenção de matrícula.

Carmen testemunhou um período conturbado do colégio, que sofreu intervenção federal após o Brasil declarar guerra à Itália, em 1942. A diretoria foi afastada, o nome da escola foi mudado para Visconde de São Leopoldo e o ensino do italiano foi proibido.

“Eu tinha colegas que não sabiam nada de português e de repente ficou proibido falar italiano”, conta ela. “Voltar aqui me traz alegria e também melancolia, porque são muitas lembranças.”

Hoje, as turmas de ensino médio ocupam o edifício original, tombado pelo patrimônio histórico, enquanto o restante dos mais de 4.000 alunos se divide em outros quatro prédios mais recentes. Com as ampliações, foi possível fazer reformas como a da ala de educação infantil, remodelada para se alinhar à abordagem pedagógica Reggio Emilia.

Para preservar as mais de 20 mil fotos, 6.000 documentos e objetos históricos como móveis e balanças antigas, foi criado um Centro de Memória. Recentemente, a escola também reforçou a conexão com o DNA italiano ao oferecer a opção de um ensino médio neste idioma, com diploma reconhecido pelo país europeu.

A longa história é um fator de atração para muitas famílias matricularem seus filhos, mas também desperta dúvidas sobre a capacidade de atualização da instituição.

“Valorizamos a tradição, mas não ficamos parados no tempo. Pelo contrário, a escola sempre se abriu para o novo. Acompanhamos todas as ondas da tecnologia, desde os desktops enormes, lá atrás, até a formação em inteligência artificial hoje”, afirma a diretora institucional, Valdenice Minatel.

“Qualquer empresa, para sobreviver tanto tempo, precisa estar muito conectada com mudanças.”

Criado em 1873, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, por onde passaram artistas como Victor Brecheret, também costuma receber filhos e netos de ex-alunos para cursar o ensino médio regular ou técnico.

“No programa de visitas para novas famílias, muitos jovens vêm acompanhados de pais ou avôs que estudaram aqui”, conta Antônio Davis, coordenador pedagógico.

Ele afirma que o Liceu manteve algumas concepções originais, mas atualizou cursos, ferramentas e métodos pedagógicos.

“A escola faz parte da história de São Paulo. Mas a sociedade do final do século 19 era profundamente diferente da nossa. Se o estudante antes se debruçava sobre suas produções munido de serras de corte e martelos, hoje são os softwares que dominam a formação, em um mundo regido pela dinâmica da internet das coisas, da robótica e da inteligência artificial.”

O colégio, que já funcionou no prédio onde hoje está a Pinacoteca do Estado, ocupa a sede atual, na rua da Cantareira, desde meados da década de 1910, mas todos os espaços foram adaptados ao longo do tempo. Parte do acervo histórico está exposto em um centro cultural criado em 1980 e remodelado em 2018.

Ocupando o mesmo prédio desde 1866, o Ginásio Pernambucano, que acaba de completar 200 anos, usa os itens de seu acervo como instrumento pedagógico e de valorização da memória.

Os objetos -que incluem quadros, achados arqueológicos e um pendão presenteado pelo imperador Dom Pedro 2º- estão reunidos em um museu e espalhados por outros espaços da escola onde estudaram os escritores Clarice Lispector e Ariano Suassuna.

Segundo o governo do estado, o tombamento do prédio é essencial para sua preservação, mas impõe restrições estruturais e arquitetônicas que representam um desafio para a implementação de melhorias.

Ainda assim, foram realizadas adaptações, como a construção de um refeitório e a climatização de alguns ambientes. Novas intervenções voltadas à acessibilidade e à melhoria da infraestrutura estão previstas.

Também do século 19, o colégio São Luís optou pela mudança de sede, realizada três vezes desde sua fundação, em 1867. Primeiro, da cidade de Itu para São Paulo; depois, dentro da própria capital paulista. A última transferência é recente: em 2020, a escola saiu do bairro da Consolação para o entorno do parque Ibirapuera.

As mudanças acompanharam o crescimento do número de alunos e a implementação de novos projetos pedagógicos, que mudaram a jornada para integral e ampliaram a grade de aulas.

Com 27.834 m² de área construída, a nova sede tem parque ao ar livre, salas de aula com paredes móveis e espaços como sala maker, para atividades práticas e criativas.

Segundo a gestão, “cada ambiente é pensado para ser também educador”, e o antigo prédio, mesmo com reformas, não comportaria plenamente a proposta.

O colégio, que está organizando um memorial em uma casa separada da sede, expõe na biblioteca objetos históricos, como um relógio com mais de 130 anos, mas diz que a tradição está presente não só na história, mas na pedagogia jesuíta, “fundamentada em valores e práticas que atravessam séculos”.

Valdenice Minatel, diretora do Dante, também diz que os valores estruturantes seguem vivos no colégio. Ex-aluno, o dentista Flávio Costella, 69, filho de Carmen, conta que incentivou os filhos a matricular seus netos lá. “Eles mantêm o nível educacional, todos entramos em boas faculdades. Dizem que a escola é rígida, mas nunca me senti reprimido. Fui feliz aqui.”