SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na sua abertura, o The Town virou Trap Town —a cidade do trap. O festival começou com um lineup formado por grandes estrelas do gênero mais popular do hip-hop, reunindo artistas como Travis Scott e Don Toliver a nomes consolidados no país, como Matuê e MC Cabelinho.

O resultado foi uma das plateias mais jovens já vistas pelo festival, com predominância de roupas pretas e rodas de mosh (bate-cabeça). A descrição, que poderia servir a um show de metal, reflete referências como o próprio Scott: os óculos escuros em formato de máscara popularizados por ele eram encontrados em rostos jovens a todo lado no festival.

Tampouco era incomum ver na pista adolescentes acompanhados de seus pais. “A mistura de gerações é legal, é isso que faz o festival”, diz André, que trouxe o filho, Pedro, de 13 anos, ao festival —o garoto veio ao evento para ver Travis Scott e Matuê.

“Eu implorei muito para meu pai vir, e pedi para o Chat GPT fazer uma música para ele me trazer, e assim o convenci”, disse Julia, de 15 anos, que viajou de Guaratinguetá com o pai, Junior, para o festival. “Eu vim para ver o Matuê e o Travis Scott”.

Ao contrário de seu público, contudo, tanto o norte-americano como o brasileiro já não são mais tão jovens. Há cerca de vinte anos que o trap vem ganhando espaço como formato mais popular de se fazer rap no mundo, e sua atual geração vem tentando explorar diferentes estilos, com prosódia e bases que vão além de nomes como Migos e Future.

Ao vivo, é uma conta difícil de fechar para Travis Scott. Seu último álbum, “Jackboys 2”, uma mixtape pouco inspirada com artistas de seu selo, não é a vedete do show. O público no The Town ansiava por ouvir seus já clássicos em sua performance ensandecida —capaz de criar pequenos tremores de terra, como noticiado em alguns de seus shows.

Não houve terremotos dessa vez. Embora tenha entregado seus hits e levado a plateia jovens ao delírio com rodas e sinalizadores, o rapper também se mostrou menos inflamado do que em outras de suas apresentações recentes. Don Toliver, que havia tocado antes, não ficou para trás: o artista teve de interromper seu show por alguns minutos devido à multidão que se apertava frente ao palco.

Já Matuê conseguiu entregar um show arejado explorando sucessos como “É sal”, numa versão reggae que já tinha apresentado no The Town 2023, e novidades de seu último álbum. Cantando para uma plateia lotada no palco The One, ele engajou até o público mais distante —a área ao fundo sofria com som de baixa pressão e atraso.

Mais cedo, MC Cabelinho havia estreado as grandes plateias naquele palco, assim como Felipe Ret no palco Skyline. O carioca, veterano do trap do Rio, pediu liberdade para o cantor Oruam: “MC não é bandido”, disse ao microfone. Ambos investiram em cenografia e bandas, adicionando camadas cada vez mais exploradas por artistas de trap ao vivo.

O palco Quebrada, novidade no festival, recebeu apenas os paulistas MC Hariel e a dupla Tasha & Tracie. Hariel, que vem de lançamento recente e chamou MC Marks ao palco, foi o único representante do funk de São Paulo no festival —uma escolha aquém da produção local, mas justificada pela engenhosidade que o artista dá ao funk ao vivo.

A rapper Budah também se destacou ao trazer sua proposta de rap com R&B com performance de qualidade, ainda que a plateia fosse diminuta. O público também era pouco numeroso no SP Square, o palco de jazz, que recebeu a pianista canadense Stacey Ryan e o trombonista brasileiro Joabe Reis.

O artista sofreu com a concorrência do palco The One durante seu show. Por ali se apresentava Lauryn Hill. Um dos pontos fora da curva do dia do trap, a artista entregou uma dose de sucessos dos anos 90 para o público —talvez um alento para pais que foram jovens naquela década

Outra exceção foi o Burna Boy. O nigeriano, um dos principais nomes da música moderna africana, trouxe banda e balé para o palco e apresentou seu afrobeats de arena para um público difícil —a maioria esperava o principal nome da noite. Se não dobrou a plateia, o artista tampouco se deixou intimidar e entregou um dos melhores shows da noite.

Prejudicados pelo palco escondido e horário ingrato —ao fim do show de Travis Scott— os DJs GBR e Victor Lou conseguiram levar uma boa amostra da sua mescla de funk de arena e desande, cujas batidas graves ganhavam destaque num autódromo que se esvaziava aos poucos ao fim do dia.

Na saída, o trânsito de pessoas pelo espaço do Autódromo era tão complicado quanto o que foi observado em 2023. A falta de sinalização travava a locomoção. O encerramento contrastou com a maior parte do evento. “Esse ano me surpreendeu porque o banheiro é acessível, tem várias plataformas de visualização do palco, enfim, acho que eles acertaram na acessibilidade”, diz Frederico, jovem cadeirante e fã de Travis Scott.

Os estandes publicitários ainda ocupam parte considerável da área hábil para o público, assim como no primeiro The Town, mas o dia da estreia da segunda edição do festival será mais lembrado pelas performances de grandes nomes do trap —certamente uma memória marcante para muitos de seus jovens fãs.