SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Num primeiro dia de The Town formado por um público bem mais jovem e bem mais masculino –e dominado por atrações igualmente mais jovens e masculinas–, a escalação de uma cantora com repertório baseado em músicas lançadas há quase 30 anos poderia se mostrar um erro. Se ela não fosse Lauryn Hill.

A americana subiu ao palco The One do festival paulistano neste sábado (6), depois de um tradicional atraso –só 18 minutos, no caso desta noite. Enquanto ela se preparava, uma DJ que se apresentou como Reborn fez um set para enrolar o público com canções como “Quilombo, o Eldorado Negro”, de Gilberto Gil.

Hill chegou vestida com um sobretudo dourado e depois de shows como os de MC Cabelinho, Matuê, Filipe Ret e Don Toliver, que foram recebidos por um público de 20 e poucos anos que empunhava celulares, sinalizadores e jogava copos de cerveja pro alto durante os shows. O último deles, inclusive, teve a apresentação paralisada por cerca de 15 minutos por razões de segurança.

A artista encontrou uma plateia mais velha e mais sossegada que a média do dia. Muito menor também, mas longe de estar vazia. Todos que estavam ali queriam mesmo vê-la –a atração seguinte seria o headliner Travis Scott, que tocaria no palco mais distante do festival, tornando a conciliação dos dois shows inteiros muito difícil.

Viver a hora em que a americana esteve no palco nas circunstâncias criadas pelo lineup deste dia foi curioso. A abordagem que ela escolheu ao fazer o único álbum solo de sua carreira, o “The Miseducation of Lauryn Hill”, de 1998 –uma mais orgânica, sem grandes estripulias eletrônicas– contrasta com as batidas eletrônicas e o autotune que imperam no trap.

Mas sua obra é considerada revolucionária no mesmo hip-hop do qual deriva o ritmo americano nascido em Atlanta, e que agora é usado para cantar a vida em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro por outros artistas que tocam neste primeiro dia de The Town.

Não significa, no entanto, que a obra de Hill soe anacrônica por comparação –o que acontece está bem longe disso. Com os anos, a cantora deu novos contornos a suas músicas, que são sempre repaginadas para que ela mesma consiga cantá-las tantas vezes sem se cansar. É um trabalho fino, que estica e muda as canções sem tirar o que elas têm de clássico.

Isso faz com que nenhum show de Lauryn Hill seja como o anterior, apesar de se basear nas mesmas canções.

Ela abre a apresentação com “Everything Is Everything”, “When It Hurts So Bad”, “Lost Ones”, “Ex-Factor”, que já mostram de cara a potência de sua voz e sua presença, além da fusão sonora que a artista propôs no disco que viria a influenciar novos rostos décadas depois. É hip-hop unido perfeitamente a gêneros como funk, jazz, R&B, soul e reggae.

“To Zion”, dedicada a seu filho de mesmo nome, é a deixa para que ele entre no palco cantando “Marching”, que lançou este ano.

O neto de Bob Marley logo emenda um cover do clássico de seu avô “Three Little Birds”, além de cantar reggaes lançados por ele, como “Best of Me” e “Premature Paradise”. No telão, imagens de Bob Marley se misturaram às de cenas de marchas do movimento negro e de um discurso de Martin Luther King Jr.

Depois de Zion, é a vez do filho mais velho assumir a apresentação. YG Marley cantou o reggae autotunado de “Marching to Freedom”, “Survival” e “Praise Jah in the Moonlight”.

O show ainda teve uma última participação especial. “Nem era pra ele estar aqui hoje. Ele viajou até São Paulo só pra ver vocês”, disse Hill, antes de apresentar Wyclef Jean, que fazia parte do Fugees –o último trecho da apresentação foi dedicada a canções do clássico álbum “The Score”, lançado pelo trio.

Enquanto os dois cantaram os clássicos “How Many Mics”, “Fu-Gee-La” e “Killing Me Softly With His Song” –a última com um trecho adaptado para o samba– fotos de artistas brasileiros como Djavan, Mart’nália, Chico Science, Luiz Melodia, Sabotage e Dona Onete preenchiam os telões.

O show de Lauryn Hill é um apanhado das três dezenas de músicas que compõem os dois álbuns que a colocaram no posto de uma das artistas mais relevantes das últimas décadas.

Mas a carreira da americana não é contada na extensão do repertório, mas na influência dele. São faixas que venceram há anos o teste do tempo, influenciando conceitualmente a obra de novos artistas e que seguem sendo picotadas, coladas, remixadas e usadas por outros artistas até hoje.