SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Querido, obrigada pelo interesse na minha carreira (gargalhada)”. Assim começou a entrevista com Fafá de Belém: não demorou nem trinta segundos para ela soltar sua conhecida e calorosa risada pela primeira vez na conversa ao telefone com a reportagem.

Ela até se desculpou pelos outros momentos ao longo do bate-papo em que não conseguiu segurar o riso, como se sua alegria pudesse incomodar. Fafá conta que já teve problemas com isso. Hoje em dia, tira de letra. “A gargalhada me ajuda até hoje na hora em que o bicho está pegando”.

A cantora está celebrando 50 anos de carreira e quase 70 de vida, e segue fazendo seu trabalho com prazer, viajando muito e levantando bandeiras, sem nunca deixar de gargalhar. Essa força interna ela conta que vem desde pequena, quando sofria com a desconfiança, até mesmo dentro de casa.

“Nunca fui a magrinha, a preferida. Nunca pensei em me casar, não era a mais comportada quando isso tudo era uma regra. Aos 10 anos, uma tia falou que eu não seria ninguém na vida. Daquele dia em diante, só pensava em conhecer o mundo”, afirma.

Para quem não seria ninguém na vida… Eis que Fafá é uma das mais longevas cantoras do país e, em janeiro de 2026 terá sua vida contada num musical, estrelado por sua neta. Na entrevista a seguir, ela fala sobre essas alegrias, algumas tristezas, e também sobre sua opção por jamais ficar em cima do muro politicamente.

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PERGUNTA – Que balanço você faz quando pensa nos seus 50 anos de carreira?

FAFÁ DE BELÉM – O mais bacana de tudo é o orgulho do que construí, principalmente por nunca ter me negociado. Aprendi cedo que é fácil ceder às tentações, mas muitas vezes fui na contramão. Nunca me submeti ao que esperavam de mim, e isso desagradou. Só que nunca me afastei do meu público. Olhando para trás, fui cancelada em todos os lugares, mas me posiciono e não sigo tendências se não for meu caminho.

P – Ao que se refere quando fala em cancelamento?

FB – Eu fui uma menina que teve que administrar o ‘não’ desde cedo. Nunca fui a magrinha, a preferida, a Miss Brasil. Nunca pensei em me casar, não era a mais comportada quando isso tudo era uma regra. Aos 10 anos, dei uma gargalhada e uma tia falou que eu não seria ninguém na vida, que eu não teria um homem que me quisesse. E eu disse: ‘para ser alguém eu preciso de homem?’ Daquilo em diante, só pensava em me sustentar, conhecer o mundo.

P – A gargalhada, uma característica sua, te ajudava nesses momentos?

FB – Sim. A gargalhada me ajuda até hoje na hora que o bicho está pegando, uma marca minha que traz felicidade grande, porque já tive que dar nó em trilho para ser uma pessoa feliz. Quando cheguei à fama, eu era considerada alienada e isso me machucava muito. Com o tempo, fui entender que o problema era dos outros.

P – Esse cancelamento também acontece pelo seu posicionamento político? Recentemente você irritou bolsonaristas ao fazer uma referência num show à tornozeleira eletrônica usada pelo ex-presidente.

FB – Eu já fui cancelada pela direita, pela esquerda, pela crítica, por A, B ou C. Fui cancelada pelo abecedário todo (gargalhada). Tenho liberdade. Já tive altos e baixos, chorei sozinha, entrei em portas erradas, acontece. Quem não faz cagada não tem o que contar (gargalhada). O medo não faz parte da Fafá de Belém, afinal, se medo eu tivesse nem teria saído de casa.

P – Ofensas das redes sociais não te machucam?

FB – Ninguém pode atrapalhar sua vida. Temos de ter um olhar generoso para todos os lados, até para quem nos ofende. Quando a pessoa incentiva o ódio, eu olho, recebo e passo. Se quando era jovem não me ofendia, imagine aos quase 70 anos.

P – O que espera do julgamento de Jair Bolsonaro?

FB – Não estou acompanhando. Estou ensaiando um novo show e só de noite vejo as notícias. Mas que a Justiça seja feita. Espero que seja.

P – Como se vê profissionalmente nos próximos anos?

FB – Eu quero estar com 110 anos cantando num barco na Amazônia com cabelos brancos e longos observando a população. Vou cantar até que a voz me doa (gargalhada).

P – Em janeiro de 2026, você ganhará um musical sobre sua vida e carreira. O que espera?

FB – É um sonho. Nas audições [para definir a atriz que será Fafá mais jovem], vieram pessoas do Brasil inteiro. A construção da narrativa será muito interessante. Para ser uma boa Fafá precisa ter brilho nos olhos e emoção.

P – Ao fim da entrevista, Jô Santana e Gustavo Gasparini falaram sobre o espetáculo:

RESPOSTA – Jô Santana, idealizador do musical: Quando fiz o musical da Alcione, um dos diretores me indicou para realizar o da Fafá e eu topei na hora. Falar dela é falar de Brasil, de uma mulher ribeirinha e empoderada. O público pode esperar para o ano que vem uma força da natureza. E a atriz escolhida nas audições para viver a cantora jovem foi Laura Saab, neta da Fafá.

RESPOSTA – Gustavo Gasparini, diretor do musical: A peça será dividida em três tempos: a volta à infância em Belém (PA), a construção da carreira e as decisões que teve de tomar e o ser político e empoderado dos dias de hoje que fala de sua terra, ecologia e se posiciona.