SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando foi aberto, em setembro de 1895, o Museu do Ipiranga exibia jacarés, papagaios e outras centenas de bichos empalhados. Era um lugar dedicado principalmente às ciências naturais.

Naquele momento, a pintura “Independência ou Morte” nem sequer existia. O artista paraibano Pedro Américo só a concluiu em 1888.

Nas décadas seguintes, o acervo passou por uma série de reconfigurações, que acentuaram o perfil de museu de história do Brasil. O edifício projetado pelo italiano Tommaso Bezzi também enfrentou mudanças. A mais ampla das reformas começou há seis anos e dobrou a área da instituição, que reabriu em setembro de 2022.

Ligado à Universidade de São Paulo, a USP, o museu público mais antigo da capital paulista completa 130 anos neste domingo, dia 7, quando as exposições têm entrada gratuita -a tendência é que a fila seja longa.

Além das mostras de longa duração, como “Uma História do Brasil”, onde estão expostas a tela de Pedro Américo e retratos em óleo como os de Maria Quitéria e Tiradentes, a promoção vale também para a exposição temporária “Design e Cotidiano na Coleção Azevedo Moura”.

Com curadoria de Adélia Borges, a mostra reúne os mais variados objetos -de utensílios domésticos a cavalinhos de madeira- dos imigrantes italianos e alemães que chegaram à região sul do país a partir do século 19.

A programação do Museu em Festa inclui ainda shows, concertos, espetáculos para o público infantil e oficinas. Todos esses eventos, que acontecem no parque e no vizinho Sesc Ipiranga, são gratuitos.

O aniversário também é oportunidade para o lançamento da minissérie “Museu do Ipiranga 130 anos – Histórias para Pensar o Presente”, com quatro episódios. A direção é de Marcelo Machado, que assina documentários como “Tropicália”, de 2012.

A curta duração dos episódios, com cerca de 15 minutos cada um, foi um dos desafios do projeto, segundo Machado. “Procuramos tratar a parte pelo todo tentando garantir a diversidade nesses pequenos cortes”, afirma o cineasta.

Neste domingo, o Espaço 130 Anos, montado em uma das áreas laterais do jardim em frente ao museu, vai apresentar os dois primeiros episódios. A minissérie começa a ser exibida pelo canal Arte 1 também no dia 7, às 23h.

Outro lançamento, previsto para novembro, é o podcast “Pensar o Presente – Histórias de um Museu em Transformação”, da produtora Rádio Novelo. Serão cinco episódios que discutem alguns dos impasses de uma instituição tradicional como o Ipiranga.

Ao fazer um balanço dos três anos após a reabertura, o historiador Paulo César Garcez Marins, diretor do museu, ressalta inicialmente a adesão do público. O lugar tem recebido em torno de 700 mil visitantes por ano, mais do que o dobro da média dos três anos anteriores ao fechamento para a reforma. Naquela época, eram cerca de 300 mil.

Para efeito de comparação, a Pinacoteca, somando os três edifícios, Pina Luz, Pina Estação e Pina Contemporânea, teve um público de 810 mil em 2024. O Museu de Arte de São Paulo, o Masp, recebeu 580 mil visitantes.

Ainda considerando essa fase pós-reforma, Garcez Marins acredita que o museu deva alcançar 2 milhões de público em novembro -está próximo de 1,8 milhão neste momento. Para ele, tamanha procura acontece, sobretudo, devido ao apelo das mostras de longa permanência.

“Nossas exposições de curta duração têm peso, mas o que efetivamente lastreia um fluxo tão grande de público é o reencontro com o museu antigo, com o Salão Nobre, com ‘Independência ou Morte'”, diz o diretor.

Ele também chama a atenção para a manutenção das empresas patrocinadoras, tarefa que se deve, em grande parte, à atuação da Faamp, a Fundação de Apoio ao Museu Paulista, entidade privada que busca tornar mais flexíveis as atividades de financiamento do museu.

O orçamento deste ano é de R$ 24 milhões, com R$ 19 milhões vindos de patrocínios por meio da lei Rouanet e R$ 5 milhões destinados ao museu pela USP.

Nem tudo, porém, é boa notícia. Em 17 de janeiro deste ano, depois do horário de visitação, um dos vidros dos elevadores se rompeu, o que impossibilitou o acesso a 15 das 49 salas expositivas. Entre as causas do dano, segundo Garcez Marins, estava o peso excessivo sobre os parafusos de sustentação do vidro.

De acordo com o diretor, esse e outros reparos estão sendo concluídos. Essas 15 salas, que expõem louças e brinquedos, entre outros objetos, devem reabrir em outubro.

Também nas próximas semanas, o museu terá uma funcionária dedicada à pesquisa de avaliação do público. Será a chance de checar, por exemplo, se os visitantes estão satisfeitos com a expografia do museu, que tem reforçado um olhar mais rigoroso em relação ao passado do Brasil e ressaltado as questões ligadas à diversidade.

Um exemplo desse enfoque é “Desconstruindo o Bandeirante”, painel interativo que põe em xeque a aura heroica desses sertanistas do período colonial.

“Temos no museu imagens que celebram massacres e massacrantes, por isso uma visão crítica é necessária”, diz Garcez Marins.

Essa atenção do Ipiranga a grupos sociais que vão além das elites paulistas não é tão recente, segundo ele. O processo em busca de uma sociedade mais abrangente começou efetivamente na gestão de Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, que esteve à frente do museu de 1989 a 1994.

Garcez Marins percebe nas redes sociais manifestações de incômodo em relação a essa abordagem, mas acredita que sejam minoritárias. Os números são um dos seus argumentos principais -o museu tem recebido, em média, 2.000 pessoas por dia.

Há chance de que esse número cresça a partir de 24 de novembro, quando o Ipiranga abre uma exposição temporária com ilustrações de Jean-Baptiste Debret. Será uma versão ampliada da mostra que estava em cartaz na Maison de l’Amérique Latine, em Paris.