SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os tantos pastores que exaltaram Bolsonaro presidente vão ficar ao lado de Bolsonaro réu e, caso condenado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento que começou nesta terça (2), Bolsonaro presidiário?

Até aqui, a disposição para defender publicamente o ex-mandatário tem sido acanhada. Tem-se, claro, o sempre vocal Silas Malafaia na ponta de lança do evangelicalismo bolsonarista -o pastor financiou atos bolsonaristas, atacou o ministro Alexandre de Moraes e terminou incluído no inquérito que investiga Bolsonaro na corte.

Nos bastidores, essa turma admite certo cansaço com o processo, ainda que tenham carinho pelo ex-presidente. O que veem como condenação inevitável também esfriou ânimos.

Um termômetro: o Aliança, grupo no WhatsApp com líderes influentes nas igrejas, como Malafaia, Renê Terra Nova, Abner Ferreira e Estevam Hernandes. Hoje, o conteúdo que circula ali quase que se limita a vídeos disparados por Malafaia.

Um dos mais recentes propagandeia ato previsto para 7 de setembro. Aparecem nele líderes como Cláudio Duarte, conhecido por sua linguagem bem-humorada para falar de sexo entre cristãos, Estevam Hernades, idealizador da Marcha para Jesus, e André Valadão, dono de virulenta retórica anti-LGBTQIA+.

São, porém, sobretudo pontuações diluídas em prol de uma genérica “liberdade de expressão e religiosa”. Em geral, contestações mais diretas ao julgamento que pode pôr Bolsonaro atrás das grades vêm de Malafaia.

Um desses pastores, que prefere preservar o anonimato, evoca passagens do Novo Testamento em que discípulos de Jesus, tomados pelo medo, veem o barco sacudido pelas ondas e se perguntam se ele vai resistir à tempestade.

É essa a metáfora que, para ele, melhor traduz o momento vivido hoje por pastores que respaldaram Bolsonaro em 2018 e 2022: alguns remam com força ao lado do ex-presidente, outros preferem aguardar para ver se o casco aguenta ou se será preciso pular fora.

A Igreja Universal do Reino de Deus, uma das molas propulsoras da ascensão evangélica na política, pouco tem falado sobre o caso. Uma mudez pragmática, na avaliação de interlocutores, que sinaliza prudência enquanto o futuro político do ex-presidente segue em aberto.

Quando provocados, muitos líderes optam por nada declarar. Outros reforçam que, na opinião deles, o julgamento é injusto. “O tempo é o senhor da história”, diz o bispo Robson Rodovalho, da igreja Sara Nossa Terra.

É ecoado pelo apóstolo César Augusto, da Fonte da Vida, que vê “um clima muito, muito ruim” com “essa guerra ideológica” no Brasil. “Espero que possamos ter bom senso e não acender o fósforo no barril de pólvora”, diz César Augusto, para quem a direita tem bons quadros para substituir Bolsonaro na eleição de 2026, caso a condenação se confirme. Não descarta Malafaia como candidato, inclusive.

Entre a defesa ruidosa e o silêncio calculado, houve quem se sentisse pressionado a apoiar também Malafaia, que teve passaporte, celular e caderno de anotação apreendidos pela Polícia Federal em operação no mês passado.

Entre os que postaram conteúdo solidário ao pastor está Cláudio Duarte. “Silas é apenas o mensageiro”, disse após a abordagem policial no aeroporto. “O alvo somos todos nós”, que “falam as verdades que não devem ser ditas”, continuou.

A ação contra Malafaia provocou alvoroço maior entre a liderança evangélica do que o iminente julgamento de Bolsonaro, e o próprio pastor pediu manifestações públicas de apoio, segundo colegas.

O Cimeb (Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil) divulgou nota crítica à inclusão do pastor carioca no rol de investigados –a entidade, diga-se, foi fundada pelo próprio Malafaia.

Houve desagravo de um nome forasteiro ao bolsonarismo raiz. O reverendo Augustus Nicodemus Lopes, com autoridade teológica no segmento, compartilhou com 1,4 milhão de seguidores no Instagram vídeo em que diz ser “de conhecimento de todos” suas divergências com Malafaia.

Nada que o impedisse de criticar o “assédio contra um líder religioso”. “Ser parado, ter passaporte e celular tomados, e áudios vazados não pode se tornar ‘normal’, pois não existe crime de opinião.”

O pastor batista Yago Martins, do Dois Dedos de Teologia, um popular canal de YouTube, é minoria entre pares conservadores. Abertamente avesso ao bolsonarismo, ele define Malafaia como “Rasputin do Bolsonaro”, referência ao conselheiro de czares russos com forte apelo religioso.

“O que vai ser doido mesmo”, disse, é quando descobrirem que o pastor na mira do STF “não é um Bolsonaro: ele tem mais coragem, mais força, mais poder, mais preparo e menos ética”.

A divulgação de mensagens entre Malafaia e Bolsonaro expõe um evangélico desbocado. Ele diz que o deputado Eduardo Bolsonaro é “um babaca” e mandou “um áudio para ele de arrombar”. E também: “A faca e o queijo tá na tua mão, cacete!”. O palavreado desagradou colegas de púlpito.

Se a figura de Malafaia bagunça o coreto evangélico, a de Bolsonaro já eletrizou mais as igrejas. Ainda que a simpatia pelo político permaneça, ela já não basta para mobilizar grandes rebanhos em sua defesa. As ruas já não enchem como antigamente para passeatas bolsonaristas, e os círculos de oração espaçaram.

Pesquisas revelam que a base evangélica de Bolsonaro ainda é robusta. Só não está mais tão empolgada para comprar a briga por ele. Há certa fatiga discursiva.

Para Vinicius do Valle, cientista político e pesquisador do campo, ainda não dá para prever o movimento das marés bolsonaristas na cúpula evangélica. Um ou outro pastor ainda se coloca de forma mais explícita a favor do ex-presidente, “mas boa parte da liderança está ali quietinha, vendo o que vai acontecer para saber onde pular e a hora de pular, em qual barco for”.

Valle também vê um descompasso entre a militância digital dos líderes e o cotidiano dos fiéis. “Ainda não virou o grande assunto. Talvez isso comece a mudar agora.”