SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) -O relato de uma mãe que foi impedida pelo cartório de alterar o nome da filha recém-nascida viralizou nas redes sociais. A empresária Caroline Aristides Nicolichi, 26, tinha batizado a bebê de Ariel, nome considerado neutro, mas se arrependeu ao perceber que a criança poderia ser confundida com um menino.
Com medo que a filha fosse vítima de bullying no futuro, os pais procuraram o 28º Cartório de Registro Civil, na Vila Olímpia, zona oeste de São Paulo, 12 dias após o nascimento da bebê. O casal mora em Indaiatuba, mas viajou para a capital em 6 de agosto para realizar o parto e registrou a criança em um cartório interno no próprio hospital.
Caroline conta que deu entrada no procedimento em 18 de agosto. Ela pagou a taxa de R$ 188 pelo serviço e acreditou que a situação estivesse resolvida. “Eu até perguntei se tinha alguma chance de dar errado, mas disseram que não, que a troca já tinha sido feita”, diz. Ela chegou a comemorar a mudança de nome nas redes sociais.
A empresária fez o pedido com base na Lei nº. 6015/73, que possibilita a alteração do nome do bebê em cartório em até 15 dias após o registro do nascimento. No entanto, quanto Caroline voltou após uma semana para retirar a certidão de nascimento da criança, rebatizada de Bella, soube que o pedido havia sido negado pelo cartório. O valor pago, segundo ela, não foi ressarcido.
A empresária relata que a justificativa dada pela oficial de registro é de que a lei só seria válida caso o pai tivesse registrado a filha sem o consentimento da mãe, e que o funcionário que a atendeu teria cometido um erro ao dar entrada no pedido. Ainda conforme Caroline, durante a discussão, ela teria sido xingada de burra por um funcionário e a oficial teria gritado e feito ameaças.
“Ela falou que era amiga de juiz, que isso não ia ficar assim e eu ia me arrepender. Que era bom o meu marido ser muito rico porque ela ia acabar com a nossa vida e tirar todo o dinheiro que a gente tinha”, diz a empresária, que acionou a polícia e registrou um boletim de ocorrência.
Segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), o artigo 55, parágrafo 4º da Lei. nº 6015/73 diz que qualquer um dos genitores pode contestar o nome e sobrenome escolhidos desde que apresente um motivo. Caso os dois concordem com a mudança, é possível realizá-la diretamente no cartório.
No entanto, segundo a Arpen-SP, a lei não permite mudar o nome apenas por arrependimento após o registro. A mudança só é possível se um dos pais tiver feito uma contestação formal. A associação diz que Caroline e o marido foram orientados sobre o procedimento correto.
Também reafirmou que os funcionários do cartório atuaram estritamente conforme a lei, garantindo segurança jurídica, proteção do interesse da criança e respeito às normas que regem o Registro Civil de Pessoas Naturais.
Especialistas ouvidas pela Folha de S.Paulo divergem sobre a interpretação da lei. A advogada da área cível Laura Siqueira Coutinho entende que a alteração em cartório no caso de Caroline seria possível.
“A norma exige apenas que haja concordância entre os pais, não se restringindo a casos de disputa ou oposição entre eles, garantindo que a modificação se dê de forma célere, sem a necessidade de recorrer ao Judiciário”, afirma.
A advogada ainda ressalta que embora a lei possa admitir diferentes interpretações, o objetivo deve ser simplificar os processos, tornando-os compatíveis com a realidade atual e acompanhando a evolução da sociedade.
Na interpretação da advogada especialista em direito civil e de família Fernanda Zucare, apesar da lei ter facilitado a mudança do nome de recém-nascidos, a regra geral continua sendo que o nome registrado é definitivo.
“Neste caso, os dois foram juntos registrar. Então, não me parece que a atitude do cartório esteja errada”, diz.
Zucare também destaca que nada impede um ajuizamento de ação para que o nome da criança seja alterado. “Pode até ser que o juíz entenda que é possível, mas o ato do cartório não está errado, porque realmente não prevê o direito de arrependimento. Se houver uma ampliação de arrependimento, teria de ser pelo juiz o mesmo”, orienta.
O advogado que representa a família solicitou à Corregedoria Geral de Justiça uma apuração sobre o episódio. Além disso, requisitou a correção do ato e responsabilização administrativa do cartório. O órgão designou um juiz para avaliar o caso. Caso o pedido de alteração seja negado, Caroline pretende recorrer à Justiça.