ASSIS, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Peregrinos católicos, turistas, adolescentes em excursão escolar entram na fila única que leva à lateral interna da igreja e desemboca no túmulo em parte envidraçado. De frente para a tumba, alguns sentam no banco com capacidade para dez pessoas e rezam. Uma mulher soluça ao chorar. Outros passam sem se deter, fazendo o sinal da cruz ou tocando o vidro com os dedos. Crianças se entreolham, cochicham e uma delas pergunta à professora se o que veem é de verdade ou falso.
O Santuário da Espoliação, em Assis, na Itália, atrai um número crescente de visitantes, que vão até lá para ver o corpo de Carlo Acutis, morto em 2006, aos 15 anos, por causa de uma leucemia fulminante.
No dia 7 de setembro, ele será proclamado santo em missa no Vaticano, a primeira canonização do papa Leão 14. A cerimônia, inicialmente marcada para o fim de abril, foi suspensa quando o papa Francisco morreu. Acutis será o primeiro santo millennial, por fazer parte da geração nascida entre 1981 e 1996.
A inquietação de crianças e a comoção de adultos são acentuadas pelo visual do seu corpo. Com 1,83 m, ele está vestido com blusa de moletom e calça jeans, ambos azul-marinho, e tênis Nike. Uma pele de silicone que reproduz seus traços reveste as mãos e a cabeça, coberta com fios pretos do cabelo ondulado. Do lado de fora da igreja, ouvem-se comentários impressionados sobre sua aparência.
“É muito realístico”, diz o italiano Salvatore DAmore, 26, após visitar o local em abril, quando a reportagem esteve em Assis. “Ele é um exemplo de como os jovens podem se ligar à religião”, afirmou.
A brasileira Roseli Pironi, 63, saiu emocionada. “Ele está lindo vestido de moletom, me lembrei do meu filho. É um santo dos nossos dias, um exemplo para os nossos jovens”, afirmou ela, que estava em peregrinação pela Itália, pelo Jubileu da Igreja Católica, que acontece a cada 25 anos.
Os brasileiros são um grupo numeroso, diz a freira carmelita Ana Lúcia, 45, baiana que vive na Itália há 14 anos e trabalha no santuário. Foi em Campo Grande (MS) que Acutis, segundo a Igreja, realizou o milagre que abriu caminho para sua beatificação, em 2020. Por meio de orações da mãe e uma relíquia de Acutis, um menino de três anos foi considerado curado em 2013 de uma malformação no pâncreas.
Os jovens, conta a religiosa, têm especial interesse por Acutis. “Para as novas gerações, é possível ver que a santidade está ao alcance. Ver um jovem de tênis, roupa comum, os aproxima”, afirma.
Responsável pela gestão do santuário, o padre Marco Gaballo afirma que Acutis foi vestido com as próprias roupas e desmente boatos de que seu corpo foi encontrado preservado quando foi exumado, em 2019.
“É falso que seu corpo estava incorrupto, é falso que tenha sido embalsamado”, disse à Folha. Está em decomposição natural, ainda que lenta, por estar mantido em temperatura e umidade controladas.
Assis é uma cidade de 27 mil habitantes no centro da Itália. Principal meta do turismo religioso no país depois de Roma, é famosa por reunir em suas colinas as basílicas de São Francisco e de Santa Clara, com seus respectivos túmulos. Os dois santos medievais viveram ali e estão entre os mais populares da Igreja Católica.
Ainda que o interesse por Acutis seja grande, com 900 mil visitantes ao santuário em 2024, quase o dobro do ano anterior, não se compara com a atenção que São Francisco atrai. Patrimônio da humanidade da Unesco, com afrescos do século 13 do pintor Giotto, a basílica recebeu mais de 3 milhões de pessoas no ano passado. Separados por 800 anos, os dois santos se misturam entre os suvenires nas lojas do centro histórico, com o jovem retratado quase sempre com sua mochila.
Nascido em Londres de genitores italianos, Acutis se mudou para Milão, no norte da Itália, ainda bebê. Cresceu ali, onde fez primeira comunhão e, desde então, passou a frequentar a missa diariamente. “A Eucaristia é minha rodovia para o céu”, teria dito ele, em uma de suas frases mais divulgadas. Sua morte ocorreu em Monza, perto de Milão.
A família de Acutis costumava passar férias em Assis e ainda hoje mantém casa na cidade. “Ele está em Assis porque, primeiro de tudo, foi um pedido de Carlo. Ele dizia que a cidade era onde se sentia mais feliz, por causa de são Francisco e santa Clara”, conta o padre Gaballo.
A decisão de levar o túmulo para o santuário também tem a ver com são Francisco. Foi ali que o santo medieval teria se despido de suas roupas como gesto de renúncia total aos bens materiais. Para Gaballo, a morte precoce de Acutis também significa um ato de espoliação, com a abdicação da própria vida.
Além de primeiro santo millennial, Carlo Acutis tem sido chamado de “patrono da internet”, devido à sua presença online. Descrito frequentemente como “um jovem normal”, além de tocar saxofone e praticar esportes, gostava de ficar ao computador e sabia programação. Criou sites para paróquias e sobre milagres. Atualmente, uma câmera transmite ao vivo no Youtube cenas de seu túmulo.