SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ascensão meteórica do Pix levou a um aumento significativo em depósitos, empréstimos e uso de cartões no Brasil, em um efeito cascata que mostra que o meio instantâneo de pagamento, em vez de representar concorrência, ajudou o sistema financeiro.

Dados de um estudo feito em conjunto por pesquisadores do Banco Central e da Florida State University mostram que, a cada 1% de crescimento no número de usuários do Pix nos últimos anos, a quantidade de empresas que aceitam cartão de débito aumentou em média 1,2%.

Para chegar a essa conclusão, o levantamento comparou cidades brasileiras que tiveram um pico no uso do Pix após enchentes (que estimulam o uso do meio de pagamento para socorro financeiro) com municípios que não tiveram esse crescimento extraordinário.

“A conclusão foi que o Pix complementa em vez de substituir. A percepção era que esse novo meio de pagamento tomaria o lugar do cartão, mas o que ele fez foi estimular as pessoas a usarem contas bancárias e outras formas de pagamento”, aponta Matheus Sampaio, professor de finanças da Florida State University.

O levantamento ainda mostrou que a chamada taxa de desconto, cobrada por comerciantes para vender através de cartões de crédito e débito, não se reduziu ao longo do tempo em relação ao período anterior à introdução do Pix.

Isso reforça que o novo meio de pagamento beneficiou bancos e empresas do setor ao ampliar a aceitação de cartões. “A demanda por cartão não caiu, pelo contrário, aumentou. Se a teoria de que as pessoas usariam menos cartão por causa do Pix fosse verdade, veríamos uma queda”, diz o pesquisador.

O uso mais intenso do sistema financeiro pode ser medido por outra descoberta do estudo: a cada 1% de alta no número de pessoas usando o Pix, a quantidade de movimentação de contas bancárias, como depósitos bancários e empréstimos, subiu em média 0,8%.

O levantamento mostra um ciclo virtuoso: o meio instantâneo de pagamento estimulou a utilização de contas pela população de baixa renda, o que fez com que os bancos passassem a confiar mais nesses clientes, que passaram a ter acesso a cartões.

Como consequência, houve um aumento importante no número de empresas, como comércios e MEIs (microempreendedores individuais), aceitando o cartão de débito.

Dados do Banco Central ajudam a entender esse movimento. Entre o final de 2024 e o início deste ano, as transações com Pix dispararam 10.000%. No processo, mais de 70 milhões de pessoas foram incluídas no sistema financeiro, segundo o BC.

No mesmo período, a quantidade de transações de cartões de crédito, débito e pré-pagos saltou 79,7%. Ou seja, a explosão no número de transações instantâneas ajudou a bancarizar o brasileiro e, de quebra, estimulou o uso de outros meios de pagamento.

“O forte crescimento das transações no cartão nos últimos anos tem a ver com a inclusão financeira”, aponta Boanerges Ramos Freire, presidente da Boanerges & Cia, consultoria especializada em serviços financeiros. “E também tem o lado da oferta, de uma série de bancos novos que entraram no mercado, do lançamento de cartões pelas varejistas e a possibilidade do uso de contas digitais”, lembra.

Essa digitalização dos serviços financeiros fez com que a quantidade de saques se reduzisse em 44,3% entre o final de 2020 e o início deste ano, segundo dados do BC.

“Muitos pequenos comércios antes só aceitavam dinheiro, mas agora aceitam também Pix e cartão. Quando você expande a forma de pagamento, acaba vendendo mais”, diz Sampaio.

O pesquisador lembra que a bancarização dos brasileiros já havia crescido durante a pandemia, pois o recebimento de benefícios sociais, como o auxílio emergencial, requer conta bancária para pagamento. “Mas essas contas tinham pouca movimentação até a disparada no uso do Pix”, aponta.

Cinco anos depois do lançamento do Pix, o impacto positivo do meio de pagamento instantâneo para o cartão de débito está naturalmente se esgotando.

Freire, da Boanerges, cita dados da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), que mostram que as transações com cartão de débito caíram 0,5% no primeiro semestre de 2025 na comparação com mesmo período de 2024.

“O estímulo do uso do cartão de débito pela população por causa do Pix aconteceu, mas é um movimento que está se esgotando, porque já chegou ao topo”, aponta ele.

O especialista atribui a queda no número das transações no débito neste ano à concorrência com o Pix, o que mostra a chegada de uma nova fase, em que o meio de pagamento instantâneo realmente passou a representar concorrência ao cartão.

Já as transações com cartão de crédito subiram 10,4% nos primeiros seis meses deste ano ante mesmo período de 2024. Freire diz que, nesse caso, o meio de pagamento instantâneo passará a representar concorrência através do Pix parcelado, que será lançado oficialmente pelo Banco Central em setembro.

“Mas o Pix parcelado será com juros, e 40% do cartão de crédito é parcelado sem juros”, lembra, apontando que isso deve atenuar parte do impacto.