SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cada dois anos, a capital paulista é sede da maior mostra de arte do país. Em sua 36ª edição, a Bienal de São Paulo começa neste sábado (6) no parque Ibirapuera e se estende até 11 de janeiro, com entrada grátis durante todo o período.
Chamada “Nem Todo Viandante Anda Estradas – Da Humanidade como Prática”, a mostra reúne obras e artistas com o objetivo de imaginar novas formas de existência humana. A curadoria é do camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung.
Desta vez, o conceito que permeia o circuito de obras teve duas inspirações. A primeira é “Da Calma e do Silêncio”, poema da mineira Conceição Evaristo, que apresenta seu texto no dia da abertura da Bienal, às 17h30, seguida por um show de Mateus Aleluia, às 18h30.
A segunda inspiração para o tema do evento é a ideia de estuário, encontro de águas doces e salgadas que é como um berçário para as formas de vida aquáticas.
Na mostra, o conceito é traduzido pelo encontro entre artistas de diferentes origens -desta vez, africanos e sul-americanos formam a maioria entre os 120 nomes que compõem o acervo.
Há pinturas, instalações, tapeçarias, vídeos e outros tipos de artes entre as obras desta edição. Em complemento à exposição, alguns dos artistas participantes também farão performances e palestras no pavilhão. A programação completa está no site.
Segundo Keyna Eleison e Alya Sebti, parte do time de curadores composto por Ndikung, não há maneira certa de percorrer os quatro andares do pavilhão. A ideia é seguir os fluxos criados pelo projeto dos arquitetos Gisele de Paula e Tiago Guimarães, que usam tecidos pendurados em formatos ondulares e paredes coloridas para guiar o público entre as obras, como no curso de um rio.
A sugestão é, inclusive, visitar o espaço mais de uma vez. No pavilhão, há obras que vão se modificar com o tempo -caso das plantas usadas por Precious Okoyomon no espaço que construiu no andar térreo e dos tecidos de Juliana dos Santos, cujo pigmento azul tem origem natural e tende a oxidar, mudando de coloração.
Quem preferir, pode usar os audioguias disponíveis em QR Codes espalhados pelo pavilhão.
Em paralelo à programação no Ibirapuera, outros cinco artistas integram a Bienal em exposições e performances na Casa do Povo, com curadoria de Benjamin Seroussi e Daniel Blanga Gubbay.
Para descobrir seu próprio caminho na mostra, veja, a seguir, uma seleção de artistas que são nomes-chave para entender a construção conceitual e espacial do evento -destacando a pluralidade de linguagens, origens e trajetórias dos participantes.
Ana Raylander Mártis dos Anjos, 30
A artista mineira investiga temas como família, nação e pertencimento, muitas vezes partindo de questionamentos sobre seus próprios laços de parentesco. Na Bienal deste ano, expõe “A Casa de Bené”, obra na qual reconstrói a morada de seu bisavô com objetos remanescentes do espaço. A instalação está presente nos três andares do pavilhão, formada por estruturas de madeira enroladas em cerca de 4.000 peças de roupa usadas.
Ernest Cole (1940-1990)
O fotógrafo sul-africano viveu apenas 49 anos e denunciava o Apartheid na África do Sul, registrando fotos do cotidiano, trabalho forçado, habitação e educação da população negra. Publicou o livro “House of Bondage” (1967), referência da resistência política, que tem fotos expostas nesta edição da Bienal. Devido aos registros, ele foi exilado de seu país.
Frank Bowling, 91
Nascido em 1934 na Guiana Britânica, o pintor é reconhecido pelas telas abstratas, que combinam campos de cor, expressionismo e cartografia. Suas obras exploram temas como diásporas, identidade, memória e política. Em suas obras, incorpora textura com géis acrílicos e espuma. Ele foi o primeiro negro na Royal Academy of Arts (2005). Entre os quadros da Bienal estão “O Crocodilo de Mel” e “El Dorado Com a Gola da Minha Camiseta”.
Gê Viana, 39
Uma das jovens artistas em destaque atualmente, nasceu no Maranhão. Sua produção combina fotomontagens, pinturas e intervenções urbanas. No seu trabalho, articula memória familiar, ancestralidade e cultura afro-indígena do estado. Em julho, expôs algumas de suas obras na mostra “Maranhão na Jamaica”, na galeria Martins&Montero. Vencedora do Prêmio PIPA 2020, também já expôs no MAM-Rio e Masp. Na Bienal, apresenta a instalação “A Colheita de Dan”, um paredão de som com fotos, colagens manuais e lonas.
Heitor dos Prazeres (1898-1966)
O brasileiro foi sambista, compositor e pintor. Na pintura, destacou-se por retratar festas, músicos e cenas urbanas do Rio de Janeiro, onde nasceu, utilizando cores vibrantes e traços expressivos. Para trabalhar, ele utilizava óleo e guache sobre tela, e os retratos evidenciavam a presença de pessoas negras em diversas situações cotidianas. Na Bienal, obras como “Calango” e “Crianças Brincando” estão expostas.
Juliana dos Santos, 38
A paulista apresenta a obra “Sopro/aragem/viração” na Bienal, na qual investiga o uso da cor por meio da flor Clitoria ternatea. O pigmento azulado natural oxida com o tempo e se transforma nas pinturas e instalações da artista. Também trabalha com vídeo, fotografia e performance. Tem obras nos acervos do Museu da Língua Portuguesa, do Centro Cultural São Paulo e da Pinacoteca de São Paulo, onde agora expõe seu trabalho na mostra “Temporã”. Nesta, usa outros pigmentos de origem vegetal, provenientes de fontes como catuaba, erva-mate e pau-brasil.
Kader Attia, 53
O artista franco-argelino trabalha com instalações, esculturas e vídeos. Sua obra aborda memória, colonialismo, reparação e identidade cultural. Utiliza materiais como espelhos, cerâmica, tecidos e elementos arquitetônicos. Em 2020, sua primeira exibição no Brasil aconteceu no Sesc Pompeia, com a mostra “Irreparáveis Reparos”. Na Bienal, traz “A Mala Esquecida”, instalação que conta histórias sobre a guerra da Argélia.
Maria Auxiliadora (1935-1974)
Nascida em Minas e criada em São Paulo, foi pintora, costureira e bordadeira, habilidades que adquiriu por conta própria. Suas obras são marcadas por cores vibrantes, além dos relevos criados pela mistura de massa acrílica, tinta a óleo e fios de seu próprio cabelo. Pintava cenas do cotidiano nos subúrbios de São Paulo e também temas afro-brasileiros, como a capoeira, o samba e os orixás. Já participou de uma Bienal de São Paulo em 1969, na décima edição. Neste ano, o evento exibe “Candomblé” e “Hora do Almoço”, entre outros quadros da artista. Ganhou reconhecimento maior após sua morte, em 1974, com destaque para a 38ª Bienal de Veneza.
Moisés Patrício, 40
O artista visual e sacerdote de tradição afro-brasileira nasceu em 1984 na capital paulista e trabalha com fotografia, vídeo, performance e instalações. Sua produção articula ancestralidade, espiritualidade e crítica social. Entre 2013 e 2016 criou “Aceita?”, projeto no qual publicava fotos nas redes sociais de sua própria mão estendida oferecendo objetos encontrados nas ruas, em uma reflexão sobre a herança do racismo e da escravidão no Brasil. Os materiais mais utilizados em obras são cerâmica e cimento, que aparecem em “Brasilidades”, exposta na Bienal. Participou de exposições no Masp e na Bienal de Dakar.
Nari Ward, 62
O artista jamaicano é radicado nos Estados Unidos e trabalha com instalações, objetos encontrados, performance e arte pública, abordando temas como raça, desigualdade social, urbanismo e memória coletiva. Utiliza materiais cotidianos, como carrinhos de supermercado, para criticar o consumo e exclusão. Participou de exposições no MoMA e Bienal de Veneza, além de expor “Semente da Primavera” nesta edição da Bienal -instalação que traça os emaranhados culturais e comerciais da Jamaica ao Brasil por meio do café.
Oscar Murillo, 39
O colombiano é conhecido por projetos colaborativos, pinturas, esculturas, vídeos, sons e instalações criados por várias mãos. Essa ideia está presente em “Uma Canção Para Um Jardim Que Chora”, obra do artista feita para a Bienal e composta por telas em branco. A ideia é que o público visitante do evento interaja com o material e crie, semana a semana, camadas sobrepostas de tinta. Murillo já participou da 56ª Bienal de Veneza.
Otobong Nkanga, 50
Recorre a instalações, tapeçarias e esculturas para pensar a relação do ser humano com o meio ambiente em meio às revoluções industrial e tecnológica. A nigeriana já participou da 58ª Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel 14, as duas exposições de arte mais importantes do mundo. Também tem obras nos acervos do Museu de Arte Moderna de Nova York, no Centre Pompidou, em Paris, e no Tate Modern, em Londres. Na Bienal deste ano, apresenta tapeçarias em três andares do pavilhão, obras da série “Desenterrado”, que retrata paisagens abstratas.
Precious Okoyomon, 32
Poeta e artista visual, trabalha com temáticas de natureza, de raça, de migração e da comunidade queer. Utiliza matéria orgânica em suas instalações para mostrar a capacidade da natureza de se adaptar e florescer mesmo após a intervenção humana. Já teve obras expostas nas 59ª e 60ª edições da Bienal de Veneza. No evento de São Paulo, traz uma obra viva: uma composição de plantas que remete a um jardim ou parque, com um riacho perto do qual o público pode transitar. As espécies foram escolhidas para que floresçam e morram durante o período da Bienal, que vai até janeiro.
Rebeca Carapiá, 37
Natural de Salvador, trabalha com desenhos, gravuras, esculturas e instalações -nestas duas, utiliza ferro e cobre como seus principais materiais. Na Bienal, apresenta “Como Criar Raízes Aéreas”, conjunto de figuras moldadas em aço, carbono e cobre. Suas obras refletem sobre temas como racismo ambiental. Em 2024, criou uma escultura inspirada nas marcas de água da Serra da Capivara, sítio arqueológico do Piauí, instalada sobre um lago de Inhotim.
Tanka Fonta, 59
O camaronês é poeta, compositor, artista visual e pesquisador de música contemporânea, erudita, folclórica e tradicional africana. Em suas obras, explora temas como a consciência humana, além da relação entre pensamento e linguagem. Traz à Bienal a obra “Filosofias do Ser, da Percepção e da Expressividade do Ser”, mural colorido e com tecido enrolado no principal pilar do pavilhão, entre as rampas que conecta os quatro andares.