PARACATU, MG (FOLHAPRESS) – Festivais literários se espalham pelo Brasil nos mais diversos formatos. Para leitores, costumam ser de correria entre diferentes programações e longas filas. Para escritores, de encontros apressados, debates amontoados e entrevistas em sequência.
Mas não é assim que funciona no Fliparacatu, que realizou sua terceira edição na cidade de Minas Gerais onde “há um sol para cada cabeça”, como diz a brincadeira local. O calor, porém, não vem só do sol, mas da acolhida, como disse o autor convidado Jamil Chade.
Pensado por Afonso Borges, o mesmo gestor cultural por trás dos similares Fliaraxá, Flitabira e Flipetrópolis, o Fliparacatu tem como diferencial a convivência que promove para escritores e leitores. O evento, patrocinado pela Kinross via Lei Rouanet, se concentra na praça central de Paracatu. Segundo a organização, reuniu 35 mil pessoas na edição que aconteceu de 27 a 31 de agosto.
Com exceção de uma programação com autores regionais em uma via paralela e oficinas acontecendo em um endereço no final da rua, a maior parte do festival se concentra numa mesma quadra.
A Casa do Autor, restrita apenas a convidados e funcionários do evento, demonstra a proposta do Fliparacatu de ser um festival “feito para o bem-estar dos autores”, nas palavras de Borges. No ambiente comunitário, os convidados fazem as refeições juntos, autografam livros uns dos outros e terminam todos os dias do evento com saraus onde cantam, tocam instrumentos e dançam.
O clima é como o de uma “confraternização de firma”, mas entre aqueles que exercem o trabalho muitas vezes solitário de escrever. Ali autores se conhecem e se reencontram -muitos já estiveram em outras edições dos festivais de Borges, como Renato Noguera, Geni Núñez e Eugênio Bucci, que diz que o gestor cultural “promove trocas muito raras entre grandes escritores.”
Borges conta que formou esse grupo mais fiel por critérios comuns como ideais de democracia e liberdade. “Todos são antirracistas e compõem um bloco de esquerda e democrático”, afirma ele.
Ao ser questionado se o viés político unânime impede a diversidade do evento, ele responde: “Eu quero trazer um autor de direita, mas me aponte um que consegue dialogar”.
Nesta terceira edição, ele pensou a programação gratuita junto a um grupo de curadoria formado pelos autores Bianca Santana, Jeferson Tenório, Sérgio Abranches e Leo Cunha, responsável pela programação infantil.
As mesas do Fliparacatu se desenrolam mais como aulas do que bate-papos. Borges conta que, ao convidar um autor para compor a programação, ele dá ao convidado a oportunidade de refletir sobre o que pode agregar ao tema proposto.
Na prática, cada autor faz da mesa um momento de exposição de suas ideias, estudos e também de seu livro mais recente. Com os livros e nomes dos autores expostos nas mesas, os encontros se tornam acessíveis para qualquer passante.
Nesta última edição, autores aproveitaram para divulgar novos projetos. Carla Madeira e Ana Maria Gonçalves leram trechos de seus próximos romances e Míriam Leitão contou sobre um romance feminista que está escrevendo, que pode ou não ser publicado.
Gonçalves e Valter Hugo Mãe foram os autores homenageados dessa edição e também figuraram no topo das listas de autores e obras mais vendidas na livraria do festival. Eles dividiram a última mesa do evento, que lotou as 400 cadeiras do Teatro Afonso Arinos e seu entorno.
Os dois fizeram a plateia rir ao discutir a menopausa e emocionaram ao trocar presentes. Ela leu uma carta para ele e ele a regalou com o Sankofa, símbolo de origem africana que representa a memória e foi desenhado pelo autor português, inspirando também a identidade visual desta edição do festival.
Além de assistir às mesas, crianças e adolescentes paracatuenses também puderam participar do festival com suas próprias histórias. No último dia, uma premiação reconheceu estudantes da região que criaram desenhos e textos em torno dos temas da edição, sendo aplaudidos no palco por autores consagrados.
Durante a cerimônia, que já é tradição do evento, Eliana Alves Cruz se surpreendeu com o texto de uma das participantes por sua qualidade e lembrou o incentivo que teve como escritora ao receber um prêmio de terceiro lugar por uma redação que fez na escola.
O prêmio, segundo Afonso Borges, é um dos “segredos do festival”. “O Fliparacatu não é pensado para o autor ou para a literatura, ele é feito para a cidade.”