SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Ao escolher um traje cinza de corte simples no desfile militar de Pequim, o presidente chinês, Xi Jinping, evocou raízes revolucionárias, reforçou a centralidade de sua liderança e sinalizou resistência às pressões ocidentais, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

Xi Jinping desfilou com traje de forte simbolismo político na quarta-feira. Ao lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin, e do líder norte-coreano, Kim Jong-un, o presidente chinês chamou atenção pela escolha da roupa. Para analistas, o gesto reforçou a continuidade histórica do Partido Comunista e projetou mensagens ao público interno e à comunidade internacional.

Especialistas apontam que a roupa remete à revolução de 1949 e a Mao Tsé-Tung. Talita Dal Lago Fermanian, doutora em relações internacionais, afirma que o uniforme traduz “igualdade, rejeição ao luxo e supremacia do coletivo sobre o individual”. Para ela, Xi buscou se apresentar como herdeiro da tradição revolucionária, projetando austeridade e identidade coletiva.

A roupa simbolizaria o fim do “século da humilhação” e o renascimento chinês. O professor João Rafael Morais, do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), explica que a vestimenta remete a 1949, ano em que o Partido Comunista assumiu o poder e declarou o encerramento do período de derrotas e intervenções estrangeiras iniciado no século 19. “Quando Xi usa essa roupa, ele convida o mundo a olhar para a China como civilização única, não como cópia do Ocidente”, diz.

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RECADO AO OCIDENTE

O uniforme teria sido recado ao exterior e sinal de resistência ao Ocidente. Para o professor Paulo Watanabe, da Universidade São Judas, a escolha se insere em um movimento de pan-asianismo liderado por China e Rússia. “A China não passará por nenhum movimento político de ocidentalização que lhe seja imposto, como aconteceu com o Japão”, afirma.

A roupa reforça Xi como líder central do Partido e da diplomacia chinesa. Watanabe acrescenta que o presidente “é visto como um líder forte dentro do Partido Comunista Chinês e consegue centralizar muito bem o sentido da diplomacia chinesa”.

Vestimenta marca ruptura estética com padrões ocidentais. O pesquisador Leonardo Paz, do Instituto de Estudos Estratégicos da FGV (Fundação Getúlio Vargas), lembra que líderes em diferentes regiões já recorreram a trajes tradicionais para afirmar identidade própria. “Xi evoca continuidade ideológica, mas também a singularidade chinesa diante de uma ordem internacional dominada culturalmente pelo Ocidente”, explica.

O gesto de Xi se compara a líderes como Evo Morales, Fidel Castro e Gaddafi. Paz lembra que todos recorreram à roupa como forma de expressão política. “Na Bolívia, Evo Morales usava batas indígenas; em Cuba, Fidel Castro aparecia de uniforme militar; na Líbia, Gaddafi tinha trajes típicos. Todos recorriam à roupa como símbolo político, e Xi faz o mesmo ao usar um uniforme que remete ao Partido Comunista”, diz.

Para os especialistas, a escolha também teve efeito interno. Fermanian destaca que a vestimenta funciona como pedagogia política, reforçando disciplina e unidade entre o Partido e as Forças Armadas. João Rafael Morais avalia que o gesto alimenta o orgulho nacional, ao associar a trajetória recente do país à continuidade da revolução iniciada em 1949.

OUTROS SÍMBOLOS DO DESFILE

Além da roupa de Xi, o desfile exibiu armas de última geração e reforçou alianças políticas. Drones, mísseis intercontinentais e equipamentos de inteligência artificial mostraram a modernização tecnológica do Exército chinês, apontada por Morais como “clivagem militar” no confronto de hegemonia com os Estados Unidos.

A presença de Vladimir Putin e Kim Jong-un, posicionados ao lado de Xi, também foi simbólica. Para Paulo Watanabe, a cena consolidou a imagem de uma ordem não ocidental liderada pela China. Já Paz destacou que o gesto projeta a China como mediadora de um eixo de países sancionados, entre eles Rússia, Coreia do Norte e Irã.

A cenografia, marcada por disciplina e ordem, completou o quadro. Segundo Fermanian, esses elementos visuais são usados como instrumentos de pedagogia política, reforçando a centralidade do Partido Comunista e do líder.