BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Militares dos Estados Unidos disseram ter matado 11 pessoas a bordo de uma embarcação que saía da Venezuela na terça-feira (2). Segundo o presidente Donald Trump, o barco transportava drogas e pertencia ao Tren de Aragua, um cartel narcotraficante designado por Washington como organização terrorista responsável por assassinatos no país.

De acordo com a Constituição americana, o poder de declarar guerra pertence ao Congresso, mas o presidente é o comandante-chefe das Forças Armadas, e chefes do Executivo dos dois partidos realizaram ataques militares no exterior sem aprovação do Congresso ao longo da história.

Esses presidentes justificaram o uso da força militar em ações limitadas no exterior quando o ataque era de interesse nacional, não era restringido pelo Congresso e não chegava ao nível de guerra, de acordo com um memorando do Escritório de Assessoria Jurídica, que fornece aconselhamento ao presidente.

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O ATAQUE FOI LEGAL SOB A LEI DOS EUA?

Os presidentes geralmente ordenaram ataques contra combatentes inimigos, grupos terroristas como a Al Qaeda ou rebeldes como os houthis no Iêmen, que atacam navios americanos e de outras nacionalidades no mar Vermelho.

O ataque de terça-feira (2) marca uma mudança no uso dos militares. Trump disse em uma publicação nas redes sociais que o barco estava transportando narcóticos ilegais, cuja interceptação seria normalmente de responsabilidade da Guarda Costeira dos EUA. Se a Guarda Costeira tivesse sido alvo de disparos ao tentar parar o barco, ela estaria justificada em se defender, disseram especialistas jurídicos.

No entanto, o presidente publicou um vídeo nas redes sociais que parecia mostrar um barco em alta velocidade sendo destruído por um ataque aéreo.

O governo não forneceu nenhuma evidência de que os EUA estavam sob ameaça iminente de ataque ou que a embarcação estava armada e não identificou alvos no barco que fossem cruciais para a realização de um ataque terrorista, como presidentes anteriores fizeram em ataques semelhantes.

O cartel de drogas Tren de Aragua, que Trump disse estar operando o barco, não está ativamente em guerra com os EUA da mesma forma que outros grupos terroristas, como a Al Qaeda.

Aqueles no barco podem ser vistos como civis, e o ataque, como uma execução extrajudicial, disseram especialistas jurídicos.

E QUANTO AO DIREITO INTERNACIONAL?

A Carta das Nações Unidas estabelece que, na busca pela paz e segurança internacionais, os membros devem abster-se de ameaçar ou usar a força contra outros países. A carta também reconhece o direito dos Estados-membros à autodefesa.

Os EUA podem argumentar que estavam tomando uma ação de autodefesa antecipatória, e Trump disse que o Tren de Aragua estava sob o controle do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.

No entanto, isso não atende ao direito internacional sem evidências de um ataque iminente ou ataques anteriores pelo Tren de Aragua, segundo especialistas jurídicos.

Além disso, autoridades venezuelanas contestaram que o grupo esteja ativo no país. Especialistas jurídicos dizem ainda que o direito de autodefesa contra atores não estatais é uma questão de debate no direito internacional.

Autoridades da gestão Trump afirmam que a embarcação estava em águas internacionais. Se fosse uma embarcação com bandeira, isso significaria que o ataque seria considerado como ocorrido no território daquele país, o que representaria uma potencial escalada de violência entre Estados. Autoridades do governo não disseram se a embarcação tinha alguma bandeira.

QUEM PODE CONTESTAR A LEGALIDADE DO ATAQUE?

Dado que o regime da Venezuela e o Tren de Aragua são vistos como párias internacionais, críticos do ataque podem não querer contestá-lo juridicamente.

No entanto, isso pode mudar se mais ataques forem realizados, como indicaram tanto o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, e o secretário de Estado, Marco Rubio.

Membros do Congresso dos EUA criticaram o ataque, e os legisladores impuseram limites ao uso da força militar pelo presidente. No entanto, nas últimas décadas, o Congresso tem cedido seu poder de fazer guerra ao presidente.

Desafios judiciais nos tribunais dos EUA contra a autoridade do presidente para realizar o ataque provavelmente enfrentarão obstáculos significativos. Os tribunais americanos geralmente dão decisões favoráveis ao presidente em questões de relações exteriores e segurança.

As famílias das vítimas poderiam tentar apresentar um processo civil por danos contra o governo federal nos EUA, embora isso exija anos de um litígio potencialmente custoso.

Tais ataques carregam o risco legal de que o governo mate um cidadão americano. A gestão do presidente Barack Obama afirmou que tinha autoridade para matar um terrorista da Al Qaeda nascido nos EUA, Anwar al-Awlaki, porque ele era o “líder operacional” de uma “força inimiga” que representava uma ameaça iminente contínua. O ataque de drone que o matou levou a litígios nos EUA.

O ataque poderia ser contestado em um tribunal internacional, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que levou alguns países a reconhecer abusos passados, embora os EUA não sejam parte da corte.