SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – Antes de se tornar um ícone de santidade para as gerações de “nativos digitais”, o jovem italiano Carlo Acutis (1991-2006) levou uma vida completamente normal, quase banal, sem nenhuma grande diferença em relação às demais crianças e adolescentes de sua geração. Fascinado pela internet, “gamer” e fã de franquias de jogos como Mario e Pokémon, o menino nem chegava a dar a impressão de ser muito religioso, segundo alguns de seus colegas, embora fosse sempre muito bondoso com todos, de acordo com eles.

O pai, Andrea Acutis, e a mãe, Antonia Salzano, pertenciam a famílias italianas abastadas e, quando ele nasceu, viviam em Londres, trabalhando respectivamente numa companhia de seguros e numa editora. O pequeno Carlo foi batizado numa paróquia católica londrina, mas veio muito cedo com a família para Milão, cidade onde passaria o resto da vida. Segundo Antonia, antes que o filho crescesse um pouco e mostrasse interesse pelo catolicismo, a família não praticava a religião, embora o pai e a mãe também fossem batizados na Igreja Católica.

De acordo com os familiares, um dos primeiros sinais da atração que a fé exerceria para o garoto se deu quando ele tinha apenas três anos, com a morte de seu avô materno, Antonio Salzano. Carlo estava presente quanto Salzano recebeu a unção dos enfermos (antes conhecida como extrema-unção, sacramento oferecido a quem tem uma doença grave) e, após a morte do avô, teria sonhado com um pedido da parte dele para que a família rezasse por sua alma.

Enquanto os pais trabalhavam, o menino frequentemente ficava aos cuidados de babás estrangeiras, entre as quais uma irlandesa e outra polonesa, ambas católicas fervorosas, que ajudaram a saciar parte da sua curiosidade sobre temas religiosos. Fez a primeira comunhão aos sete anos e passou a frequentar a missa e receber a Eucaristia com frequência, levando os pais a acompanhá-lo, até que se tornaram praticantes também.

A presença de trabalhadores imigrantes no entorno da família também estimulou o menino a atuar como evangelizador. Ele fez amizade com Rajesh Mohur, um empregado de seus pais nascido nas ilhas Maurício que era de família brâmane (a casta sacerdotal do hinduísmo). As conversas entre os dois levaram Mohur a se interessar pela fé católica e a decidir ser batizado, e o mesmo acabou acontecendo com a mãe do empregado e com um amigo de Mohur.

Ao chegar à adolescência, Carlo se tornou catequista (algo relativamente comum nas paróquias italianas) e passou a se interessar cada vez mais por computadores, dominando linguagens básicas de programação e editando vídeos engraçados de seus animais de estimação. Amigos da época, como Federico Oldani, contaram à revista britânica The Economist que Acutis era fã da série “Os Simpsons” e costumava gravar DVDs com os melhores episódios para presentear os colegas.

Oldani e outro colega de então, Michele del Vecchio, também disseram à publicação britânica que Carlo não costumava conversar sobre temas religiosos, embora passasse a impressão de ser mais rigoroso que os demais meninos em temas morais.

Certa vez, quando os garotos começaram a falar de meninas, ele teria deixado escapar que achava errado fazer sexo antes do casamento. Os demais moleques começaram a zombar dele e, ao ver que Acutis tinha ficado chateado, deixaram o assunto de lado. Ao mesmo tempo, Michele, o único garoto não batizado da escola, costumava ser alvo de piadas por supostamente “não ser filho de Deus”, mas Carlo era o único que não lhe dizia nada desse tipo.

Durante a adolescência, Acutis se notabilizou como “webmaster” de sites com temática religiosa e de caridade. A pedido de um sacerdote da escola jesuítica onde fazia o ensino médio, criou um portal que promovia o voluntariado. Também montou um catálogo online dos milagres eucarísticos (associados à crença de que a hóstia e o vinho se transformam no corpo e sangue de Cristo durante a missa) e às aparições da Virgem Maria consideradas verídicas pela Igreja.

A doença que levou à morte do garoto foi rápida. Em 1º de outubro de 2006, procurou atendimento por causa da garganta inflamada e, ao longo de uma semana, apareceram sintomas mais graves, como sangue na urina. Depois de mais exames, os médicos concluíram que ele tinha uma forma incurável de leucemia. Ele acabaria morrendo em 12 de outubro. Segundo a família, Acutis ofereceu a Deus seu sofrimento em favor do papa (na época, Bento 16) e da Igreja durante os dias de internação.