SÃO RAIMUNDO NONATO, PI (FOLHAPRESS) – O acesso ao Parque Nacional Nacional da Serra da Capivara, declarado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, tornou-se mais difícil neste ano. Desde março, a Azul deixou de oferecer voos para o município de São Raimundo Nonato, no Piauí. Com isso, restam a turistas interessados em visitar a região longas rotas por terra.

Antes, a empresa mantinha três voos por semana com destino à cidade, no trecho Recife e Petrolina, em Pernambuco. Eles ocorriam às terças, quintas e domingos. Nenhuma outra companhia atendia o Aeroporto Serra da Capivara, aberto há dez anos. Hoje, o terminal recebe somente voos particulares.

Segundo a Azul, os ajustes na malha levam em consideração fatores como aumento dos custos operacionais, a crise global na cadeia de suprimentos, a alta do dólar, a disponibilidade de frota e o atual processo de reestruturação da empresa.

Com a suspensão dos voos, para aqueles que saem de outros estados rumo à cidade piauiense, a alternativa é o deslocamento por terra a partir dos municípios onde há aeroportos: a capital Teresina, a mais de 500 quilômetros; e Petrolina, a quase 300 quilômetros.

O Parque Nacional da Serra da Capivara movimenta a economia de ao menos quatro municípios —São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias—, que somam pouco mais de 50 mil habitantes

“O período com voos foi curto para consolidar dados, mas já percebíamos maior interesse de visitantes de longa distância e até do exterior. A suspensão afetou o turismo e também a logística de trabalho da equipe”, disse Marrian Rodrigues, chefe do parque.

“O aeroporto serve uma vasta região em pleno desenvolvimento e o pessoal local viaja bastante, fora os pesquisadores”, acrescentou Rosa Trakallo, responsável pela gestão dos convênios e recursos da Fumdham e diretora do Museu do Homem Americano e do Museu da Natureza.

Só neste ano, até julho, o parque recebeu em média de 4.096 visitantes por mês. Metade deles é do próprio estado, seguidos pelos de São Paulo, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Do exterior, há turistas provenientes sobretudo de Alemanha, Espanha, Suíça e Reino Unido.

O secretário de Turismo do Piauí, Daniel Oliveira, disse que o governo estadual mantém tratativas para a retomada dos voos. “Estamos em diálogo principalmente com a Gol e avaliamos alternativas regionais em parceria com governadores do Nordeste.”

De acordo com ele, o desafio é mais logístico e tributário do que de infraestrutura. “O aeroporto tem capacidade operacional”, afirmou o secretário.

Procurada, a Gol disse que não se manifestaria.

Para a arqueóloga Gisele Felice, professora da Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), a logística é peça-chave para manter o parque vivo. “Retomar as rotas é fundamental. Seguimos contextualizando as pinturas e identificando os grupos que as realizaram.”

A gerente do Hotel Serra da Capivara, Diana Gaze Fabris Guerra, disse que a suspensão dos voos resulta em um impacto extremamente negativo, justamente no momento em que a região vivia uma conjuntura positiva, com investimentos do governo estadual, projetos e engajamento da comunidade.

“Perder a principal forma de transporte dos hóspedes foi um retrocesso enorme. A região continua crescendo, mas, se os voos tivessem sido mantidos, o engajamento e o desenvolvimento seriam muito maiores, porque o suporte logístico faz toda a diferença”, afirmou Diana.

Criado em 1979, o parque reúne diversos vestígios arqueológicos da presença antiga de humanos na região. Sua área total quase equivale à da cidade de São Paulo. Em 1991, a Unesco o incluiu na lista de patrimônios mundiais.

A história do parque está ligada à arqueóloga Niède Guidon, sua principal defensora. Ela catalogou mais de mil sítios arqueológicos na área do parque, desenvolveu projetos de integração e sustentabilidade da região e atuou para assegurar verbas para manter o local aberto.

Em 2015, quando houve a abertura do aeroporto em São Raimundo Nonato, Niède defendeu a importância do terminal. “A Serra da Capivara só será realmente internacional quando tiver voos regulares. Sem ligação aérea, é impossível trazer visitantes do mundo todo e garantir a preservação com recursos compatíveis à sua importância.” A arqueóloga morreu em junho último, aos 92 anos.