SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com cortes menores, menos dores e alta hospitalar mais rápida, a cirurgia robótica cresce como evolução da laparoscopia nos hospitais privados do Brasil. A técnica, porém, ainda é limitada a alguns centros que realizam um grande número de procedimentos e dispõem de ampla infraestrutura, sendo rara no SUS (Sistema Único de Saúde).

A Strattner, empresa pioneira na introdução da cirurgia robótica no Brasil em 2008 e que ainda domina o mercado desde sua introdução com os robôs Da Vinci, diz ter vendido 161 sistemas no país, sendo que 120 estão em hospitais privados e 41 em instituições mistas, que atendem público e privado. A companhia afirma que a média anual no Brasil é de 295 procedimentos por robô.

Aprovada no mês passado para incorporação no SUS, a prostatectomia robótica, para remoção completa da próstata em casos de câncer, deve servir como um passo inicial para a expansão da técnica na rede pública. Por lei, o SUS tem até 180 dias para disponibilizar o procedimento.

Não há números oficiais sobre o uso dos diferentes métodos cirúrgicos nos hospitais, e o Ministério da Saúde afirma não ter dados sobre procedimentos no SUS por tipo de técnica. Segundo a pasta, as unidades hospitalares do Inca (Instituto Nacional de Câncer) são referência no país, com mais de 500 cirurgias robóticas desde 2012.

A remoção da próstata por câncer é a cirurgia robótica mais comum, segundo Carlos Eduardo Domene, secretário-geral da Sobracil (Sociedade Brasileira de Videocirurgia, Robótica e Digital) e professor da USP (Universidade de São Paulo). Nesses casos, a técnica preserva funções urinárias e sexuais. Também é frequente o uso em outras operações, como para câncer colorretal, endometriose e cirurgias da parede abdominal.

Domene explica que a cirurgia robótica não é feita por um robô autônomo. O sistema funciona como uma extensão das mãos do cirurgião, que controla os movimentos a partir de um console. Com braços mecânicos e câmera que amplia a imagem de vídeo em até 20 vezes, ele se divide em duas partes: uma sobre o paciente, que acessa os órgãos por meio de pequenos cortes, e outra, separada, onde o médico se senta para comandar os movimentos. A laparoscopia funciona de forma parecida, mas os instrumentos são diretamente manipulados pelo cirurgião, sem o auxílio do console robótico.

Apesar dos cortes pequenos nas duas técnicas, é possível extrair órgãos e tumores, como em bariátricas, quando parte do estômago pode ser remodelada para permanecer no corpo, ou em histerectomias, em que o útero pode ser removido pelo canal vaginal.

A diferença entre os tipos de cirurgia é significativa. Segundo Domene, a cirurgia aberta envolve cortes grandes e maior trauma, com recuperação mais lenta, enquanto a cirurgia robótica combina os benefícios da laparoscopia com maior precisão, melhor visualização e controle dos movimentos.

O professor da USP destaca que a cirurgia robótica também tem o benefício de permitir operações à distância. Em junho, um paciente de 67 anos com câncer foi operado em Angola por um médico nos Estados Unidos. Foi a primeira intervenção feita a uma distância tão grande. Três dias após o procedimento, ele teve alta do hospital.

Cirurgião gastrointestinal e oncológico do Hospital Santa Paula, Ricardo Almeida destaca que a cirurgia robótica oferece visão tridimensional ampliada, o que permite uma dissecção (separação) precisa de órgãos e tecidos e melhor avaliação da perfusão sanguínea (como o fluxo de sangue chega aos tecidos e órgãos).

Ele cita como exemplo tumores pancreáticos, que se localizam próximos ao fígado, estômago, intestino e canais biliares. Nesses casos, não basta remover apenas o nódulo: é necessário retirar as áreas ao redor e reconstruir estruturas digestivas e biliares para preservar funções. A tecnologia robótica garante que o paciente mantenha suas funções digestivas e metabólicas e facilita a continuidade de tratamentos complementares, como quimioterapia, com aumento da taxa de sobrevida e controle do câncer.

Um estudo publicado na Annals of Surgery em 2021 comparou a ressecção robótica e a aberta para câncer de pâncreas e mostrou que a cirurgia robótica reduziu a necessidade de transfusão (12,4% contra 39,6%), diminuiu a taxa de infecção de ferida (12,4% contra 32,3%) e o tempo de internação (7 dias contra 9 dias).

A comerciante Elizabeth Pereira, 64, enfrentou duas vezes o câncer nos últimos seis anos. Em 2019, foi diagnosticada com um tumor avançado no intestino. Na época, passou por cirurgia convencional, aberta. Para ela, o procedimento foi longo e desgastante, e a recuperação lenta. Os cortes maiores e o trauma do procedimento aumentaram o impacto no corpo e na rotina diária, com dores intensas e fraqueza. Foi necessário contratar um cuidador para acompanhá-la em casa após a alta.

“Passei por muita fraqueza. Perdi muitos quilos. A recuperação foi difícil, com dor, limitações para me movimentar e um tempo longo até poder retomar minhas atividades”, diz.

Seis anos depois, ainda em acompanhamento regular para monitorar uma possível recidiva do câncer de intestino, Elizabeth recebeu um novo diagnóstico: um tumor de pâncreas, ainda em fase inicial, sem relação com a primeira doença.

Ela conta que parecia que a cirurgia parecia simples, para remover apenas o nódulo, mas que a equipe médica percebeu que o tumor estava mais enraizado do que se imaginava. Foi aí que a cirurgia robótica fez a diferença. O procedimento foi feito em julho e durou cerca de seis horas. Ela não precisou de transfusão sanguínea.

“Eu recebi alta mais rápido quando fiz a robótica. Não senti dor no pós-operatório. Quando passou a cirurgia eu já estava conversando, sem dor, porque na primeira vez eu tive muita dor, não conseguia nem me mover, porque foi um corte bem grande”, relata.