SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alunos das escolas estaduais de São Paulo estão hackeando as plataformas de ensino para que as tarefas sejam feitas automaticamente em segundos. Assim, eles não precisam fazer as lições e conseguem burlar a exigência do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para que usem essas ferramentas digitais.

A ação foi confirmada pelos próprios estudantes à reportagem.

Há casos de alunos que cobram de R$ 2,50 a R$ 10 para fazer as atividades dos colegas. A reportagem acessou um grupo no Discord, com mais de 200 mil usuários, onde são compartilhados os “scripts” para burlar as plataformas adquiridas pelo governo paulista.

Scripts são um conjunto de informações escritas numa linguagem de programação e são usados, por exemplo, para automatizar tarefas, manipular dados ou gerir sistemas operacionais —como é feito com as plataformas educacionais.

Os links desses scripts direcionam os estudantes para um site, que abre as plataformas de ensino e realiza todas as tarefas selecionadas.

Nesta segunda (1º), a reportagem acompanhou um aluno realizando o procedimento: ele acessou o script, selecionou as lições que precisava fazer na semana e, em segundos, elas constavam como feitas na plataforma, com todas as respostas corretas.

Há links para burlar, por exemplo, Tarefa SP (onde devem fazer lições de todas as disciplinas), Khan Academy e Matific (atividades de matemática), SPeak (de inglês) e até mesmo plataformas de leitura e redação como o Leia SP e Redação Paulista.

Até mesmo a Prova Paulista, avaliação bimestral e digital aplicada a estudantes do 5º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, pode ser feita por essas ações.

Em nota, a Secretaria de Educação disse que acompanha com atenção o uso das plataformas digitais e afirma que “como em qualquer processo de inovação em larga escala, surgem desafios”.

“Quando identificada qualquer tentativa de burlar as plataformas digitais, os fornecedores são acionados para fortalecer os mecanismos de segurança e monitoramento”, disse.

Os estudantes relatam usar a estratégia ao menos desde o segundo semestre do ano passado. No grupo do Discord, há registro do compartilhamento desses scripts desde abril.

Os organizadores dizem que o grupo tem como objetivo ajudar os estudantes com as tarefas das plataformas e proporcionar “notas escolares mais altas e tempo de lazer”.

Um aluno de uma escola estadual de Embu das Artes, na Grande São Paulo, contou à Folha que o volume de tarefas exigidas nas plataformas é muito grande. Ele disse que não conseguia conciliar as aulas, o trabalho e todas as atividades exigidas por semana.

Um outro estudante contou que aprendeu a fazer o hackeamento em grupos de redes sociais. Por ser algo muito simples e rápido, ele costuma fazer o mesmo para amigos: com o número do RA (registro de aluno) e senha acessa as plataformas e faz o registro das atividades.

Ele conta fazer de graça para os amigos que são mais próximos, mas diz que em sua escola há estudantes que cobram por isso.

Para Fernando Cássio, professor da Faculdade de Educação da USP, a burla dos estudantes às plataformas indica que a política não tem surtido efeitos na melhora do ensino.

“O estudante ridiculariza as exigências da escola, porque ele sente que o sistema de ensino não respeita o seu processo de aprendizagem. Eles dizem que querem assistir aula, que querem mais interação com o professor, mas são obrigados a usar algo em que não veem sentido. A burla, a fraude é uma resposta natural.”

Um estudo, com dados da própria Secretaria de Educação, mostrou que o uso das plataformas digitais não melhorou o desempenho das escolas estaduais no Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo) no ensino médio.

O governo Tarcísio gastou no ano passado ao menos R$ 471 milhões com a política e estabeleceu penalidades para professores e diretores das escolas que não atingem as metas de uso das plataformas.

A Secretaria de Educação defendeu o uso das plataformas e disse que elas fazem parte de uma política de “modernização da educação pública”, com o objetivo de ampliar o acesso dos estudantes a conteúdos de qualidade.

Também defendeu que as plataformas usadas nas escolas estaduais estão “alinhadas às melhores práticas do mercado educacional” e são amplamente usadas na rede privada de ensino. Destacou ainda que só a plataforma Redação Paulista registrou neste ano 6 milhões de redações concluídas pelos alunos —no entanto, não comentou se apura quantas dessas podem ter sido feitas por hackeamento.

“O foco é a aprendizagem, e não apenas o cumprimento de tarefas ou metas automatizadas. A pasta segue avaliando suas ações com base em evidências e mantém diálogo permanente com a comunidade escolar”, diz a nota.