SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa inédita, realizada pela organização Legisla Brasil e pelo Movimento Mulheres Negras Decidem, mapeou pontos que dificultam assessores parlamentares negros de acessarem cargos de tomada de decisão no Congresso Nacional, como o sentimento de invisibilidade.
Com base nos números levantados pela Legisla Brasil via portais de transparência das Casas do Congresso, há cerca de 15 mil assessores parlamentares. Para a pesquisa foram entrevistados, de forma confidencial e anônima, 60 assessores parlamentares negros, sendo 34 mulheres e 26 homens. Três atuam no Senado, e 57 na Câmara dos Deputados. Do total, apenas 5 são chefes de gabinete.
A amostra de 60 assessores foi baseada nas pessoas que aceitaram participar da pesquisa. Para chegar a elas, em diferentes gabinetes, foi preciso acionar uma rede de contatos, o que aponta para uma das questões do estudo: a invisibilidade das pessoas negras no Legislativo.
“Eu sou a única pessoa preta do gabinete. E quando cheguei no Congresso, enfrentei a invisibilidade. […] Estava eu, o deputado e outro assessor. Eles são cumprimentados. Eu não”, narrou uma assessora.
O teor das entrevistas tem um padrão, mesmo em perfis diversos de assessores, de desafios enfrentados por eles, como racismo institucional, percepção de pouca influência nos mandatos, vulnerabilidade emocional, violências de gênero no ambiente legislativo e pautas restritas a negritude, direitos humanos e segurança pública.
“Esses padrões de invisibilidade acontecem independente se é um mandato de esquerda, direita ou centro”, afirma a pesquisadora da Legisla Brasil e da UnB, Synthia Maia, uma das autoras da pesquisa.
A instabilidade profissional, uma vez que a maioria é comissionada, foi outro fator muito mencionado. O fato de achar que pode ser demitido a qualquer momento, independentemente do quão competente seja, faz com que essas pessoas adoeçam e sintam racismo de maneiras distintas.
A escolha dos entrevistados para o estudo, que será lançado nesta quinta-feira (4), às 14h, na Câmara, considerou a diversidade de gênero, território de atuação, partidos, funções ocupadas e localidades de atuação (Congresso ou bases territoriais dos mandatos). Do total, 49 (81,7%) trabalham dentro do Congresso e 11 (18,3%) nas bases parlamentares em diferentes territórios, o que os deixa ainda mais longe do centro das decisões.
Do ponto de vista partidário, as pessoas entrevistadas estão distribuídas entre 14 partidos: PT (29 assessores), PSOL (7), PSB (5), União (3), MDB (2), PP (2), PL (2), entre outros.
Ainda segundo a pesquisa, entre as mulheres negras entrevistadas, 41,4% estão inseridas na classe D (renda de dois a quatro salários mínimos), e 44,8% na classe C (de quatro a dez salários mínimos). Nenhuma delas está na classe A (mais 20 salários mínimos) e poucas na classe B (de 10 a 20 salários mínimos). Em contraste, os homens da amostra estão presentes em todas as faixas de renda.
Somente 4,4% das deputadas e 3,7% das senadoras são mulheres negras. “Além do racismo, incide sobre ela a misoginia institucional”, diz Synthia Maia, do Legisla Brasil.
Para Fabiana Pinto, do Mulheres Negras Decidem, as mulheres negras que são assessoras enfrentam o peso duplo que se refere tanto ao gênero quanto a raça. “Nas entrevistas são narrados episódios de assédio, de assédio sexual, a partir do exercício do poder da masculinidade, do espaço [Congresso] que é pensado para esse corpo masculino.”
Para que mudanças ocorram, a pesquisa recomenda, por exemplo, que as casas legislativas criem e fortaleçam ouvidorias autônomas para a defesa da igualdade racial.
Para os partidos, uma das propostas é que se garantam cotas mínimas para pessoas negras em órgãos de direção partidária, como secretaria-geral e tesouraria, com real poder de decisão, além de estabelecer conselhos de diversidade nas presidências partidárias e de bancadas.
Nos mandatos, a recomendação é criar espaços de escuta qualificada para ouvir as equipes sobre questões de raça e microviolências, garantindo encaminhamentos concretos e devolutivas.