BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – No começo da semana, Angela Merkel declarou que sua decisão de abrir as fronteiras da Alemanha a refugiados em 2015 havia fortalecido a AfD, a legenda de extrema direita do país. Pesquisas eleitorais não sustentam a afirmação da ex-primeira-ministra, diz à reportagem o diretor do instituto Forsa, Peter Matuschek, que há décadas acompanha a opinião pública alemã.

Há dez anos, diante de uma crise humanitária sem precedentes e centenas de milhares de imigrantes empurrados pela Hungria contra as fronteiras da Áustria e dos países dos Bálcãs, Merkel tomou a decisão histórica marcada pela frase “Wir schaffen das” (“Vamos conseguir”). A Europa vivia o apogeu da crise imigratória, provocada pelas guerras da Líbia e da Síria, derivadas da Primavera Árabe.

O ato humanitário, festejado mundialmente, se transformou em um dilema doméstico meses mais tarde, quando a burocracia alemã se viu sobrecarregada pelo afluxo de mais de um milhão de refugiados e episódios de violência protagonizados por estrangeiros pipocaram pelo país.

A narrativa, que se transformou em ativo eleitoral na campanha eleitoral deste ano, não bate com a realidade, afirma Matuschek. “A AfD estava com cerca de 3% quando a crise dos refugiados surgiu em 2015. O partido conseguiu alcançar 12,7% nas eleições de 2017, mas perdeu eleitores até a última eleição em que Merkel participou. Chegaram a 2021 com cerca de 10%.”

O verdadeiro salto do partido de Alice Weidel, a economista que lidera a sigla, ocorreu em 2022 e 2023, quando a coalizão liderada pelo social-democrata Olaf Scholz começou a fazer água por razões sobretudo econômicas. “Naquela época, a AfD nem precisava jogar com a questão imigratória.”

Matuschek faz referência a uma política elaborada pelo Partido Verde, que compunha a coalizão de governo com o SPD de Scholz e os liberais do FDP, batizada de “lei do aquecimento”. A legislação incentivava a troca de sistemas de aquecimento caseiros baseados em combustíveis fósseis por elétricos, mais caros, ainda que houvesse subsídio. Como de hábito nas campanhas populistas atuais, a narrativa da extrema direita ampliou a discussão para outras áreas do comportamento.

“O que o AfD fez foi bastante inteligente do ponto de vista da campanha. Eles disseram ‘somos o normal’, o partido das pessoas normais. ‘Quando você vota em nós, você pode comer o que quiser, não vamos torná-lo vegetariano, você pode usar óleo, pode usar gás, não vamos ficar lhe ensinando coisas’.” A legenda disparou nas pesquisas, assumindo o segundo lugar nas preferências, o que se consolidou na eleição parlamentar de fevereiro.

“Foi um erro da CDU [o partido do atual premiê, Friedrich Merz] achar que a imigração era um gatilho. É um gatilho para eleitores da AfD. Porém o crescimento da legenda não se deveu à decepção com a imigração. As pessoas têm visões muito diversas sobre esse problema, mas o resultado das urnas foi mais uma reação ao governo em exercício.”

Segundo o especialista, apenas 20% dos alemães creditam a questão imigratória a Merkel. “No geral, metade da população divide a responsabilidade entre ela, Scholz e Merz. É uma percepção mista.”

Matuschek afirma que a estratégia de Merz de encampar o discurso anti-imigratório da extrema direita é equivocada. “Não há um único exemplo na história eleitoral em que isso tenha ajudado qualquer partido tradicional de centro-direita a conquistar votos de um partido mais extremista. E isso é o que aconteceu na Alemanha”, afirma o especialista, lembrando que a CDU do premiê perdeu força na reta final da última campanha e já aparece atrás da AfD em alguns levantamentos atuais.

A despeito do discurso político, imigração não é um tabu na Alemanha, com uma aprovação histórica. “Entre trabalhadores qualificados e refugiados não qualificados de países muçulmanos, é claro que há uma grande diferença. Mas, em geral, as pessoas há muitos anos nos dizem que precisamos de imigração, de mão de obra”, diz.