BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O advogado Celso Vilardi escolheu nesta quarta-feira (3) três pontos para basear a defesa de mérito de seu cliente, Jair Bolsonaro (PL): o plano de assassinato de autoridades, conhecido como “Punhal Verde Amarelo”, os ataques de 8 de janeiro de 2023 e a chamada “minuta do golpe”.
Em relação aos dois primeiros, explorou o fato de as investigações da Polícia Federal e a acusação da Procuradoria-Geral da República terem reunido indícios, mas não apontado elo direto de conhecimento e participação do então presidente da República. Sobre o terceiro, tentou enquadrá-lo na mesma categoria dos anteriores, mas aí a história é diferente.
Começando pelos dois primeiros pontos.
A PF obteve provas de que o “Punhal Verde Amarelo” foi criado no computador do general da reserva Mario Fernandes, então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência. O arquivo listava etapas, armamento e pessoal necessários para assassinar Alexandre de Moraes (relator do atual julgamento, não citado nominalmente), Jeca (Lula), Joca (Geraldo Alckmin) e Juca.
Esse último personagem não foi identificado pela PF no relatório que abordou a operação, mas, conforme mostrou a Folha de S.Paulo, tratava-se do ex-ministro e ex-presidente do PT José Dirceu.
A ligação a Bolsonaro se dá pelo fato de que, em 9 de novembro de 2022, 40 minutos após esse documento ter sido impresso no Palácio do Planalto, Fernandes se dirigiu ao Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.
Em 9 de dezembro, um dia depois de ter estado no Alvorada, o general também mandou uma mensagem para Cid relatando que Bolsonaro havia aceitado “o nosso assessoramento”.
Neste mesmo dia 9, Bolsonaro rompeu o silêncio em que estava desde o resultado das eleições e, a apoiadores no Alvorada, fez um discurso dúbio, dizendo que é o povo “quem decide para onde vai as Forças Armadas”.
Apesar dos indícios, não há outro elemento no relatório confirmando que o documento tenha sido discutido com Bolsonaro. O ex-presidente sempre negou ciência desse plano, embora a PGR, na denúncia, tenha dito que ele não só sabia como autorizou a empreitada.
“Não há uma única prova que vincule o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, Operação Luneta [outro plano golpista] e 8 de Janeiro. Nem o delator [Mauro Cid], que eu sustento que mentiu contra o presidente da República, nem ele chegou a dizer de participação de Punhal, Luneta, Copa [que integraria o plano Punhal] e 8 de Janeiro. Não há uma única prova”, disse Vilardi.
O procurador-geral descreve na denúncia o ataque à sede dos três Poderes como o ápice da trama golpista “constituída desde pelo menos o dia 29 de junho de 2021 e operando até o dia 8 de janeiro de 2023”.
Apontado como líder dessa organização, Bolsonaro teria criado com esses episódios, incluindo a leniência com acampamentos golpistas em frente ao QG do Exército, o ambiente de desconfiança e instabilidade necessários para o ataque.
“As ações progressivas e coordenadas da organização criminosa culminaram no dia 8 de janeiro de 2023, ato final voltado à deposição do governo eleito e à abolição das estruturas democráticas. Os denunciados programaram essa ação social violenta com o objetivo de forçar a intervenção das Forças Armadas e justificar um Estado de Exceção”, escreveu o procurador.
Já em relação às minutas do golpe, a participação ganha contornos mais concretos.
Vilardi tentou nesta quarta passar a impressão de que as discussões para evitar a posse de Lula se resumiram a uma reunião e que todo o resto não passa de afirmações mentirosas de Mauro Cid.
“Esse é o epicentro, a pedra de toque do processo. A minuta e a colaboração [de Cid]. (…) Se a acusação é levar a minuta para os comandantes do Exército e eles não apoiaram e, portanto, não houve o golpe, o que aconteceu em 15 de dezembro? Onde está o 8 de Janeiro?”.
Travestida com ares de legalidade, a minuta teve uma de suas versões apreendida na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres.
Em suma, estabelecia medidas para anular o resultado da eleição de Lula e manter Bolsonaro no poder.
Em busca de apoio à empreitada, o então presidente apresentou versão desse documento aos chefes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022, de acordo com vários testemunhos, e, possivelmente, ao general Estevam Theophilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, dois dias depois, em 9 de dezembro.
O documento golpista foi objeto ainda de nova reunião com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, dessa vez conduzida pelo ministro da Defesa, o general da reserva Paulo Sérgio, em 14 de dezembro.
O general Freire Gomes (Exército) e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) não teriam anuído com o golpe, diferentemente do almirante Almir Garnier Santos (Marinha), que hoje integra o grupo de réus sendo julgados.
As provas apresentadas não se resumem às versões do documentos apreendidas, mas se ancoram também nos depoimentos de Freire Gomes, Baptista Junior e Mauro Cid, além de troca de mensagens apreendidas que tratam dessa discussão e que indicam também que os comandantes do Exército e da Aeronáutica passaram a ser alvos de ataques nas redes por não concordarem com o plano golpista
Diante das evidências, o próprio Bolsonaro reconheceu ter estudado medidas “dentro das quatro linhas da Constituição” –só não explicou por que as cogitava sem que houvesse nem de longe situação de relevante anormalidade que as justificasse.