SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um emaranhado de plantas se expande em um desenho sobre o papel, onde rabiscos e versos se confundem. Precious Okoyomon, 31, artista e poeta não-binário, alterna o olhar entre o traço e o horizonte ao ilustrar e escrever.

Na 36ª Bienal de São Paulo, que abre neste sábado, Okoyomon apresentará uma instalação inédita -inspirada no trabalho que exibiu na 59ª Bienal de Veneza, em 2022, “To See The Earth Before the End of the World”, ou “ver a terra antes do fim do mundo”. Na Itália, a obra combinava materiais orgânicos vivos e em decomposição, num ambiente sensorial que refletia conexões entre natureza, colonialismo e emancipação social.

Okoyomon, que cresceu entre Inglaterra, Nigéria e Estados Unidos, ganhou destaque por criar ambientes que mesclam esculturas e organismos vivos, abordando também questões de corpo, gênero e raça. A obra “Sol da Consciência. Deus Sopra Através de Mim -O Amor me Quebra”, que será apresentada em São Paulo, foi inspirada por experiências que viveu em Minas Gerais.

O trabalho é um jardim com plantas nativas do Cerrado, selecionadas para refletir a passagem do tempo, a resiliência e a memória ambiental. A prática da jardinagem, junto dos materiais poéticos e visuais, traduz sua concepção de espaço como pintura viva: “Vejo o jardim como pintura, as cores, a sucessão das flores -tudo precisa acontecer exatamente como vejo. E as obras são poemas, e os poemas são obras”, diz Okoyomon.

Ao comentar sobre o presidente dos EUA, Donald Trump, Okoyomon relaciona o fazer poético à experiência cotidiana. “Sobre [os impactos de] Trump estar no comando, o que penso é que esse tipo de situação sempre existiu. Se não compreendemos nosso passado, as estruturas que o criam continuam a nos aprisionar. Então não é como se Trump fosse algo que nunca tivemos antes. É apenas o mesmo tipo de supremacismo branco.”

Okoyomon afirma que a construção de pontes e a continuidade do trabalho de cuidar das pessoas é essencial. Diz que, do ponto de vista geológico, o tempo funciona em outro nível, e que esse tipo de turbulência na política passa rapidamente.

Okoyomon passa agora um período no Brasil. Desde o início de agosto, é a primeira pessoa residente da Casa Onze, espaço no centro da cidade criado por Frederik Schampers, diretor da galeria Gladstone, de Nova York. Diferente de um ateliê tradicional, a Casa Onze não tem a finalidade de exibir trabalhos: funciona como um laboratório de convivência, escrita e pesquisa, aberto a artistas de todo o mundo em residências rotativas.

Na residência, além de se dedicar ao trabalho que apresenta na bienal, onde tem passado quase o dia todo em montagem, Okoyomon explora novas possibilidades da escrita e da cultura brasileira, mantendo a poesia como eixo central: “Aprendo a ficar entre dois mundos: a beleza da natureza e a escuridão da história. Às vezes o abismo entre eles parece infinito.”

Quanto à sua trajetória e inspirações, Okoyomon descreve o impacto da poesia em sua vida desde a infância. “Sempre fui poeta. Nunca foi algo separado de mim ou da forma como compreendo o mundo e a materialidade da vida. É a frequência que sigo para entender as coisas de um modo diferente. Tudo que surge disso é como um grande esqueleto que se estende através dos objetos que faço, do espaço que crio ou dos desenhos -são notas infinitas para este poema.”

Entre suas influências e interlocutores, cita desde filósofos como Simone Weil, psicanalistas como Lucy Gary, pensadores como Jung, artistas como Adrian Piper e Pier Lee, até místicos do século 18 e poetas contemporâneos como Alice Notley e pessoas que pensam o tempo de forma lenta -formando um panorama de referências que alimenta sua prática poética e relação com o mundo.