VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – “Eu teria dito o que ela quisesse, teria sido completamente honesto em relação a qualquer assunto, como opto por ser na minha vida. Acho que isso me ajuda a controlar minhas reações”, disse o designer Marc Jacobs em entrevista no Festival de Veneza, onde um documentário sobre a sua carreira, dirigido por Sofia Coppola, fez sua premiere mundial, fora da competição oficial.
Jacobs já lutou publicamente contra o vício em drogas, que superou, em parte, com a ajuda de Anna Wintour, a ex-editora da revista Vogue, muito responsável pelo hype em relação às primeiras coleções do estilista, quando ainda trabalhava na grife Perry Ellis.
Alguns anos atrás, também foi transparente em suas redes sociais em relação a uma cirurgia plástica que fez. Jacobs postava diariamente fotos de sua recuperação no Instagram e nunca fez segredo a respeito do fato de ser um fã das intervenções estéticas.
Com unhas de gel gigantescas azuis marinho com muito brilho, o estilista, só de entrar em um ambiente, parece revelar muito do que é e do que pensa. E claro que a aparência pode enganar mas, no caso de um profissional do ramo, suas roupas, seu cabelo, seu corpo, seu rosto e seus acessórios são parte de uma narrativa.
Na entrevista coletiva do festival, usava uma tiara prateada com detalhes de pedra adornando seu cabelo curto. Depois, na sessão de gala do filme, apareceu de calça larga de couro, sapatilha, blazer também oversized preto e um laço preto de cetim no cabelo.
E, claro, eram dele as roupas usadas por Sofia Coppola no festival assim como vestiu a atriz Wynona Rider quando ela foi processada por roubo no começo do milênio, Marc Jacobs não é apenas um criador de looks, mas sim de narrativas.
Coppola e Jacobs são muitos amigos e colaboram frequentemente desde os anos 1990. Ela já foi modelo de uma campanha da grife dele em 2002 e dirigiu comerciais de TV para a linha de perfumes Daisy, em 2014. Não era de se esperar que “Marc by Sofia”, o primeiro documentário da cineasta, fosse algo além de um olhar carinhoso a respeito de seu parceiro e amigo.
E os filmes dela são sempre muito fashion quem consegue esquecer o figurino todo inspirado nas cores dos macarons Ladurée de “Maria Antonieta”, e do tênis All Star casualmente jogado no meio dos infinitos sapatos da então Rainha da França?
E Jacobs é um grande estilista desde que se formou na Parsons School of Design, em 1984, e ganhou o prêmio “Design Student of the Year”, estudante de design do ano, dado pela grife Perry Ellis, que o contratou em seguida.
Sua carreira teve mil altos e baixos mas foi sempre muito cheia de novidades e rebeldia mexer com o logo da Louis Vuitton é apenas uma delas, ou seja, não é por falta de assunto que não haveria o que apreciar neste filme dinâmico, colorido, divertido, mas, infelizmente, bastante limitado.
A trama, ou o fiapo de história que baseia o longa-metragem, acompanha Coppola seguindo Jacobs nas 12 semanas anteriores ao desfile da coleção primavera 2024. Ele escolhe o peso e a transparência dos tecidos, o tom do esmalte das modelos, o volume dos cílios postiços de cada menina que vai andar com suas roupas. É um perfeccionismo extremo, cada micro ponto do forro de cada peça passa por ele, mas a gente não chega a conhecer de verdade seu processo criativo.
É o máximo ouvi-lo definir cada desfile como “uma peça de teatro de sete minutos”, que envolve elenco, cenografia, trilha sonora, direção, produção, figurino, muito figurino, e, claro, uma história a ser contada.
As imagens de arquivo de sua carreira e de sua vida na noite nova-iorquina dos anos 1990, que intercalam os bastidores da preparação do desfile, são uma delícia de assistir. Há até cenas de seu desfile de conclusão de curso na Parsons School of Design. Vemos Sofia e Marc, novinhos, já muito próximos, nos anos 1990. Há imagens de sua icônica coleção grunge para a grife Perry Ellis, um clássico da década de 1990, e de seus 16 anos como diretor criativo da Louis Vuitton.
Um desfile recente de sua própria marca apresenta modelos com perucas gigantes e roupas estruturadas em tamanho exagerado desfilando sob uma mesa gigante, o que as faz parecer do tamanho de bonecas Barbie.O filme tem flashes rápidos do enorme arquivo de imagens do estilista, apresentados como uma colagem, com uma trilha sonora pop irresistível. Há um tsunami de bolsas Louis Vuitton, que Jacobs pediu ao artista Takashi Murakami para substituir o fundo marrom tradicional e o logotipo dourado da linha por cores e mexeu no design das peças com uma energia quase punk.
É ótimo que exista esse documentário artístico e sem aqueles depoimentos formais que parecem quase obrigatórios hoje em dia no gênero, mas isso também significa que o filme simplesmente toma como um fato, sem nenhuma investigação, a importância artística de Jacobs.De vez em quando Coppola aparece em cena, mas na maior parte do tempo permanece atrás da câmera, ouvimos só suas perguntas. E ela até faz boas perguntas. Jacobs está resolvendo problemas pessoais por meio de sua carreira de designer?
Como lida com a depressão após um desfile? Há uma janela para conhecer um pouco do homem por trás das roupas quando ele fala sobre a influência de sua avó, com quem morou depois do segundo casamento de sua mãe, e que costumava levá-lo, ainda menino, para fazer compras com ela.
Mas, no fim das contas, os episódios de bastidores oferecem mais uma ilusão de intimidade do que algo mais. E não há nem uma simples menção à sua vida pessoal, ou como ele construiu um império empresarial ou seus contratos de licenciamento.
Os perfumes Marc Jacobs estão espalhados pelo mundo todo, inclusive em multimarcas de cosméticos, mas Coppola não perde um minuto com esse tema seu interesse é obviamente só a moda. Se esse fosse uma parte de uma série de documentários sobre Marc Jacobs, poderia até ser o melhor de todos, mas, sozinho, deixa mil vezes mais perguntas do que dá respostas.