BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – A Comissão Europeia apresentou nesta quarta-feira (3) em Bruxelas o texto final do tratado União Europeia-Mercosul, que cria um mercado de 750 milhões de pessoas e derruba tarifas dos dois lados do Atlântico no momento em que o planeta é desafiado pela guerra comercial promovida por Donald Trump.
“As empresas e o setor agroalimentar da UE colherão imediatamente os benefícios da redução das tarifas e dos custos, contribuindo para o crescimento econômico e a criação de emprego. A UE já é o maior bloco comercial do mundo, e estes acordos irão consolidar essa posição”, declarou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
Salvaguardas sem precedentes foram apresentadas aos opositores do projeto. O maior deles, a França, nas primeiras manifestações sobre a negociação, sinalizou com a possibilidade de anuência, algo até aqui inédito.
O rascunho do documento a ser apreciado no Conselho de Ministros, composto por representantes dos 27 países-membros, foi fatiado para facilitar sua tramitação. Vai a voto a parte comercial do tratado, que regulará o comércio de produtos entre dois continentes. Outros aspectos do acordo, relacionados a direitos humanos, regulação digital, mudança climática, desmatamento e lavagem de dinheiro, entre os outros itens, serão analisados em separado pelos Parlamentos nacionais, em processo que promete levar anos.
Além do Conselho, em que a aprovação depende de uma maioria qualificada de 15 dos 27 países, representando ao menos 65% da população do bloco, o acordo comercial será encaminhado ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, em que uma maioria simples é exigida.
Países como Espanha e Alemanha, o maior exportador da Europa, pressionavam pela ratificação do acordo, que pode amenizar o tarifaço imposto pelos EUA e reduzir a dependência do continente da China em setores críticos, como o de minerais.
Maior produtor agrícola da Europa, a França liderava a oposição ao tratado, com apoio mais ou menos reticente de países como Irlanda, Áustria e Polônia. A Itália, que antes era uma adesão certa à dissidência, teria mudado de posição e prioridades após a ofensiva comercial sem precedentes de Trump.
Movimento antecipado pelo site Político, a resistência histórica do presidente Emmanuel Macron ao projeto foi trabalhada com salvaguardas específicas para a agricultura, o que parece ter funcionado. Em postagem no X, o ministro de Comércio Exterior da França, Laurent Saint-Martin escreveu algo que seria impensável até o começo da semana: “Hoje, a Comissão apresentou um pacote sobre o acordo comercial entre a União Europeia e os países do Mercosul, que inclui, nomeadamente, o princípio de uma cláusula de salvaguarda reforçada para os produtos agrícolas. Trata-se de um passo na direção certa.”
O aparente recuo foi abertamente criticado pelo primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, que lamentou a defecção da França na estratégia de montar uma minoria capaz de bloquear o acordo. “Que a UE monte agora um bom mecanismo de defesa”, declarou Tusk durante entrevista em Varsóvia.
Maros Sefcovic, comissário de Comércio, afirmou que os futuros parceiros da América da Sul estão cientes das salvaguardas que o documento exige. “Isso não está no tratado, mas é o que precisamos na Europa para fazê-lo funcionar. Acho que todos entendemos muito bem isso.” O político e diplomata eslovaco contou ter se encontrado na terça (2) com embaixadores do Mercosul para uma apresentação técnica do texto. “Somos parceiros, amigos”, declarou Sefcovic, sugerindo uma recepção positiva do projeto.
Os produtos abarcados pela cláusula de proteção são as carnes em geral, açúcar e arroz. Uma queda ou aumento de preços provocados pelo importação desses itens acionaria o gatilho de apoio a agricultores europeus, bancado por um fundo já existente que será ampliado para até 1 bilhão (R$ 6,34 bilhões). “É como seguro de casa. Ninguém compra esperando usar”, declarou um negociador da UE.
O pacto precisa ser aprovado pelos Parlamentos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, membros plenos do Mercosul. Sefcovic confirmou que a expectativa é ter tudo aprovado e em vigor até o fim deste ano. “É um prioridade para nós e, sabemos, especialmente para a Presidência temporária do Brasil no Mercosul.”
Foi uma referência clara à ofensiva tarifária e jurídica que a gestão Trump promove contra o Brasil neste momento.
No Parlamento Europeu, ainda que os principais partidos aliados à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já expressem apoio ao tratado, o documento deve promover uma união peculiar entre populistas, extrema direita e ambientalistas. O apoio a ruralistas é instrumentalizado por políticos nacionalistas; já integrantes de siglas de centro e as ligadas à causa ambiental temem uma fragilização do rígido regramento europeu na área.
O agronegócio brasileiro é especialmente visado, devido à sua grande capacidade de produção. A Comissão Europeia acena com uma política de quotas, em que as tarifas sobem de acordo com o volume de exportações para manter a competitividade dos produtores locais.