BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A defesa do ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno afirmou que o ele esteve afastado de Jair Bolsonaro e de militares acusados de tramar um golpe de Estado durante o período final do governo, especialmente depois da filiação do ex-presidente ao PL.

O advogado Matheus Milanez, que faz a sustentação oral no STF (Supremo Tribunal Federal) na retomada do julgamento nesta terça-feira (3), também criticou a postura do ministro Alexandre de Moraes e voltou a falar da dificuldade de análise do material de provas colhidas durante a investigação.

De acordo com o advogado, o general tinha uma postura de defesa de aproximação do governo com figuras mais alinhadas politicamente.

“Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos do Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento da cúpula do poder. Claro que não existia um afastamento 100%. Mas houve essa diminuição. Ele assumiu publicamente reservas”, afirmou o advogado.

No início da sustentação, Milanez fez as críticas mais diretas ao relator desde o início do julgamento. No primeiro dia de sessão, o tom dos advogados foi majoritariamente elogioso em relação ao relator.

O advogado fez um levantamento de quantas perguntas o relator e o PGR fizeram, cada um, aos réus: foram 302 de Moraes e 59 de Gonet. Segundo Milanez, isso seria representativo da postura acusatória de Moraes.

“O ministro também pode produzir provas. Mas temos um fato curioso. Uma das testemunhas avaladas, o senhor Evaldo de Oliveira Aires, foi indagado pelo ministro relator a respeito de uma publicação dele nas redes sociais que não consta dos autos. Ou seja, nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público que não fez isso? Qual é o papel do juiz julgador? Ou é o juiz inquisidor? O juiz não pode em hipótese alguma se tornar protagonista do processo”, disse.

Na sequência, ele afirma também que, durante o interrogatório, o general fez uso do direito parcial ao silêncio, mas que o relator fez perguntas para ficarem registradas nos autos. Na interpretação dele, essa postura seria uma forma de coação.

“Ao se colocar as perguntas, se o general não responde, não estaria coagido a responder de certa forma? Para esta defesa fica clara a nulidade pela violação do direito ao silêncio”, disse.

Em outro momento, a defesa do ex-chefe do GSI mostrou, no telão, uma imagem de uma anotação do general dizendo que o ex-presidente precisava se vacinar. Seria, assim, uma das provas do afastamento de Bolsonaro naquele período.

“Era um pensamento do próprio general, e aqui o Ministério Público tenta construir um discurso de que o general seria o grande aconselhador [de Bolsonaro]. Realmente, Heleno foi figura de destaque, figura política importante para a eleição e para o governo. Mas esse afastamento é comprovado”, disse o advogado.

Heleno é acusado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de ter cometido cinco crimes: golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa, dano qualificado do patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

Ele decidiu acompanhar o julgamento de sua casa, em Brasília (DF), para evitar a tensão do plenário da Primeira Turma do Supremo.

O militar foi denunciado como um dos responsáveis por construir a narrativa do ex-presidente contra as urnas eletrônicas —o primeiro passo da trama golpista. Segundo a PGR, o ex-ministro atuou em conjunto com o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem na empreitada.

“As anotações e falas públicas de Augusto Heleno, ao longo do governo Bolsonaro, não deixam dúvidas de sua inclinação a ideias que desafiam a harmonia institucional e promovem o acirramento entre os Poderes”, diz o procurador-geral, Paulo Gonet.

“Mais do que simples abstrações, comprovou-se que Augusto Heleno efetivamente direcionou o aparato estatal em torno de suas concepções antidemocráticas”, completa Gonet.

A parte dedicada ao general da reserva é a menor entre os oito réus do núcleo central da trama golpista citados nas alegações finais da Procuradoria. As páginas que narram as provas contra o militar se concentram em discursos do general e anotações esparsas em um caderno apreendido durante a investigação.

Ministros do Supremo ouvidos pela reportagem afirmaram, sob reserva, que a acusação contra Heleno é a que possui menos provas incriminadoras. É possível que o ex-ministro consiga se livrar ao menos de parte dos crimes, de acordo com a avaliação de dois integrantes do tribunal.

Os principais elementos encontrados contra Heleno são um caderno com manuscritos sobre o governo Bolsonaro e um discurso durante reunião ministerial em julho de 2022.

No caderno há uma anotação com o título “REU DIRETRIZES ESTRATÉGIAS”. A data é desconhecida. Heleno escreveu sobre “estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações” e dizia que “é válido continuar a criticar a urna eletrônica”.

Já na reunião ministerial, o general sugeriu “montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo”, indicando a possível infiltração de agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na campanha de Lula.

“O problema todo disso é se vazar qualquer coisa em relação a isso porque muita gente se conhece nesse meio. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer lugar”.

A defesa do general diz que o objetivo do acompanhamento era monitorar as campanhas para garantir a segurança dos candidatos à Presidência, sem infiltração de agentes. O plano, porém, não foi à frente.