BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Alexandre de Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, abriram o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no STF (Supremo Tribunal Federal) defendendo punições pela trama golpista. Enquanto isso, fora da corte, partidos aceleraram as articulações por uma anistia e conseguiram fazer o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), admitir a possibilidade de votar um projeto que poderia livrar o ex-presidente da prisão. O movimento do centrão e da oposição tenta colocar Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, como candidato em 2026.

O primeiro dia de sessões, nesta terça-feira (2), foi marcado principalmente por uma declaração inesperada de Moraes, que teve caráter político. Ele quebrou o padrão de iniciar o julgamento com a leitura do relatório, que é um resumo descritivo do processo, e disse que a pacificação do país não pode ser alcançada com impunidade, além de mandar recados contra as tarifas de Donald Trump e as articulações de Eduardo Bolsonaro nos EUA.

Bolsonaro não participou do julgamento por razões médicas, de acordo com seus advogados. O único réu a comparecer foi o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.

“A pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição. E mais: significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado”, disse.

A manifestação formal da acusação, apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), também deu destaque ao argumento de que a punição dos acusados é necessária, com o objetivo de evitar a deterioração da democracia.

“Não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem [golpista], como mostram relatos de fato aqui e no estrangeiro, recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizado”, disse Gonet. A participação do procurador-geral foi marcada por declarações mais enfáticas do que em fases anteriores do processo, mas também pelo uso de vocabulário jurídico complexo.

Com a aproximação da provável prisão de Bolsonaro, líderes de grandes partidos aceleram a articulação para apoiar uma proposta de anistia que inclua não apenas os condenados por envolvimento nos ataques do 8 de Janeiro, mas também o ex-presidente.

Nesse cenário, Bolsonaro não seria preso, mas permaneceria inelegível, uma vez que a proibição de disputar eleições até 2030 foi imposta em ação da Justiça Eleitoral, que não seria alcançada pela anistia.

Enquanto o STF julgava Bolsonaro, União Brasil e PP anunciaram apoio a uma proposta de anistia. Os dois partidos, que formalizaram a ida para a oposição ao governo Lula (PT), têm interesse em apoiar a candidatura do governador paulista Tarcísio à Presidência da República em 2026, como sucessor de Bolsonaro.

Antes resistente a pautar a anistia aos acusados de golpismo, o presidente da Câmara afirmou que avalia a questão e que os líderes partidários estão cobrando a inclusão do tema na pauta. “Vamos conversar mais. […] Aumentou o número de líderes pedindo”, disse Motta.

Um dos argumentos usados pelos defensores da anistia é que esse seria um passo para a pacificação do país –ideia rejeitada por Moraes, uma vez que as punições seriam extintas.

Com apoio do centrão, outras pautas também avançaram no Congresso. No Senado, foram aprovadas mudanças no texto da Lei da Ficha Limpa e a PEC dos Precatórios. Já na Câmara, os partidos desencadearam uma ofensiva para aprovar um projeto de lei que dá poderes ao Legislativo para demitir diretores e o presidente do Banco Central.

Ainda durante o primeiro dia de julgamento, a oposição levou ao Congresso o ex-assessor do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Eduardo Tagliaferro, personagem de reportagens da Folha que mostraram que Moraes atuou fora do rito para investigar bolsonaristas. Em audiência no Senado, ele afirmou que Gonet também agiu com Moraes e que o ministro forjou um relatório para justificar uma ação contra empresários.

No STF, Moraes usou o discurso de abertura do julgamento para criticar tentativas de interferência que marcaram as últimas semanas do processo. Ele fez referência indireta à atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos EUA e às sanções aplicadas pelo governo de Donald Trump.

“Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal: julgar com imparcialidade e aplicar a Justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas”, declarou.

“Lamentavelmente, no curso desta ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário e, em especial, este Supremo Tribunal Federal e submeter o funcionamento da corte ao crivo de outro Estado estrangeiro.”

No primeiro dia de julgamento, a PGR apresentou sua acusação final contra os réus, com base em três pontos principais: a ideia de que o crime de tentativa de golpe de Estado se consumou, mesmo que o golpe não tenha se concretizado; a referência a episódios de ameaça de uso da força, com a incitação ao envolvimento das Forças Armadas; e a argumentação de que o processo tem provas que vão além da delação do tenente-coronel Mauro Cid.

Os três pontos são alguns dos principais flancos explorados pelos advogados que buscam a absolvição dos réus. Quase todos alegam que não há crime em discutir um possível estado de exceção, rechaçam envolvimento dos acusados nos ataques de 8 de Janeiro e argumentam que idas e vindas fragilizaram a delação de Cid.

Gonet apontou a existência de crime nas articulações para a tentativa de golpe. “Quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, afirmou.

O procurador-geral também citou episódios de “violência ameaçada e praticada” ao se referir às blitzes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) durante as eleições e à reunião de Bolsonaro com os chefes das Forças Armadas.

Ele também apontou que a denúncia da trama golpista “não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis”, citou provas colhidas pela Polícia Federal e disse que “os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada”.

Também neste primeiro dia, os advogados de quatro réus apresentaram suas alegações. A defesa do tenente-coronel Mauro Cid, delator no processo, pediu a manutenção dos benefícios oferecidos ao militar durante o processo e afirmaram que a redução desse prêmio seria o fim do instituto da colaboração premiada.

O advogado de Alexandre Ramagem afirmou que a PGR cometeu erros na denúncia contra o ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O advogado de Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) fez uma defesa da liberdade de expressão, e a defesa de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça) disse que ele sofreu um “linchamento moral” no processo.