SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Pouco depois de ser baleado por um policial penal no Rio de Janeiro, o entregador Valério Júnior recebeu mensagens do agente tentando cancelar o pedido por suposta demora na entrega, conforme registros de conversas entre os dois obtidos pelo UOL e confirmado pela advogada do trabalhador.
Entregador foi atingido no pé após se recusar a subir com pedido de policial. O agente, identificado como José Rodrigo da Silva Ferrarini, foi preso preventivamente no último domingo (31).
“Estou no local e não encontro a pessoa que veio entregar”, diz mensagem recebida por Valério cerca de 30 minutos após ser baleado. O texto foi enviado pelo próprio chat do aplicativo de entrega do celular de Vanessa Priscila, esposa do policial penal que atirou contra o entregador.
Na sequência, o entregador recebeu: “Por conta da demora, gostaria de cancelar o pedido”. Segundo a advogada de Valério, o pedido de comida foi feito pelo celular de Vanessa, mas a mensagem foi enviada pelo autor do disparo para despistar as investigações. “O cadastro no aplicativo do iFood estava no nome dela, mas depois soubemos que quem estava enviando as mensagens pelo chat era o próprio policial penal”, afirmou a criminalista Thais Loureiro.
“Estou aqui no chão sangrando e você tentando cancelar o pedido?”, respondeu Valério. “Como assim? Eu não saí de casa pra receber, estou te esperando no bloco”, recebeu em resposta.
UOL tenta confirmar informações com a Polícia Civil fluminense e a defesa do agente. Procurada, a PCERJ ainda não retornou à reportagem, que não conseguiu localizar a defesa de José Rodrigo. O texto será atualizado no caso de futuras manifestações das partes.
VEJA OS PRINTS
RELEMBRE O CASO
Policial penal atirou em entregador no bairro Taquara, no Rio de Janeiro, na noite da última sexta-feira (29). O disparo foi efetuado após Valério se recusar a subir com o pedido do cliente, que é policial penal.
Vítima gravou momento em que foi baleado. O entregador, que trabalhava para o iFood, foi atingido momentos após iniciar uma gravação com seu celular, que mostra o policial com a arma na mão. “Você não subir é uma parada…”, diz o agente antes de disparar contra Valério.
Depois de atirar, policial ainda pede pelo pacote e questiona gravação da vítima. Mesmo ferido, o trabalhador seguiu gravando. “O que é isso, cara?”, perguntou Valério logo após ser atingido. Em seguida, ele começa a pedir ajuda a vizinhos, e diz que também é morador da região.
“Ele me deu um tiro porque eu não subi”, disse Valério no vídeo. Dias depois, após passar por exames, ele divulgou outro vídeo em que diz que pode perder movimento do pé atingido pelo disparo. “Sou entregador de comida e por causa de um policial truculento eu posso perder o movimento do meu pé. (…) Por causa de R$ 7 [valor que seria pago pela entrega]”, disse Valério em um vídeo divulgado nesta segunda-feira (01) em seu perfil no Instagram, no qual diz ter recebido o diagnóstico de seu médico.
Caso é investigado pela 32ª DP, de Taquara. A Polícia Civil do Rio de Janeiro afirmou que a vítima foi encaminhada para exame de corpo de delito, que a arma do agente foi recolhida para perícia e que “outras diligências estão em andamento para esclarecer os fatos”.
Atirador foi identificado no mesmo dia como policial penal da ativa e, posteriormente, afastado do cargo. Em nota, a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) confirmou a identidade do atirador e disse que a “conduta atribuída ao servidor ocorreu fora do exercício de suas funções” e que acompanha o caso.
Policial se entregou e foi preso no domingo após negociação com agentes. Segundo a Polícia Civil, ele se apresentou na Cidade da Polícia, onde o mandado foi cumprido, depois de “ver o cerco se fechar”.
Atirador alegou que disparo foi “acidental” após discutir com Valério porque entregador se recusou a subir com a encomenda, segundo delegado do caso. “Em dado momento dessa discussão, segundo ele [o policial], a arma dele disparou acidentalmente e atingiu o motoboy”, declarou Marcos Buss, em entrevista ao Bom Dia Rio, da TV Globo.
Delegado contrariou versão de Ferrarini e destacou que o suspeito assumiu risco de matar a vítima. “Constatamos que, pela própria dinâmica, essa disparo foi voluntário. Uma pessoa que aponta uma arma de fogo para a outra, seja em qualquer parte do corpo, e puxa o gatilho, no mínimo assume o risco de causar morte”.
iFood diz que pedidos devem ser deixados no portão ou portaria. Em nota, a empresa disse lamentar o ocorrido e que está oferecendo suporte jurídico e psicológico à vítima, além de estar colaborando com as autoridades sobre o caso.