BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Integrantes de partidos de esquerda e aliados do governo Lula (PT) comemoraram o início do julgamento da trama golpista no STF (Supremo Tribunal Federal), que usam como palanque nesta terça-feira (2), ao passo que bolsonaristas não foram à corte, vivem clima de desânimo e tentam defender Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais.

Ao contrário da primeira sessão do julgamento que tornou o ex-presidente réu, quando ele compareceu ao tribunal em um ato político acompanhado de parlamentares, desta vez, nenhum bolsonarista esteve no Supremo. Eles usam expressões como farsa, circo e jogo de cartas marcadas para justificar a ausência.

“Participar dessa farsa para quê? Eu não vou participar desse teatro, não. Processo manipulado”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à reportagem.

Flávio fará uma audiência na Comissão de Segurança do Senado com Eduardo Tagliaferro, que tem atacado o ministro Alexandre de Moraes, de quem foi assessor. Depois da audiência, segundo auxiliares, deve ir à casa do pai, que está em prisão domiciliar.

Alguns parlamentares bolsonaristas se credenciaram para ir à corte, caso fosse adotada estratégia similar à do início do julgamento, mas nenhum compareceu. No mesmo momento em que Alexandre de Moraes dava início ao julgamento, que vai durar até dia 12, parlamentares de oposição tinham marcada uma reunião semanal na casa do líder Zucco (PL-RS). Ele próprio tinha se credenciado, mas desistiu de ir à corte.

Nas redes sociais, eles buscam reagir e tentam emplacar a hashtag #Bolsonarofree (Bolsonaro livre, em inglês). O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), divulgou um vídeo ufanista do ex-presidente convocando a população para um ato em 7 de Setembro.

“Não estamos diante de um julgamento justo, mas de um jogo de cartas marcadas, feito para tentar calar e impedir que Bolsonaro siga ativo na defesa do povo. Mas o Brasil não ficará em silêncio. No dia 7 de setembro, as ruas estarão tomadas por uma grande manifestação democrática. É por justiça, é por liberdade, é pela anistia”, disse o senador.

Nos bastidores, o clima que vem se acumulando nas últimas semanas é de desânimo, com a condenação já esperada de Bolsonaro. Como a Folha de S.Paulo mostrou, ele próprio já conta com isso. Somadas, as penas às quais ele pode ser condenado chegam a mais de 40 anos, mas aliados do ex-presidente esperam ao menos uma redução.

Eles contam com sanções dos Estados Unidos ou articulações políticas para fazer avançar o projeto de lei da anistia aos condenados no 8 de janeiro, que beneficiaria também Bolsonaro.

Nos últimos dias, fizeram mobilizações menores, circunscritas à proximidade do condomínio onde mora Bolsonaro no Jardim Botânico, em Brasília. No domingo (31), fizeram uma carreata com buzinaços, e na segunda, um grupo de oração.

ESQUERDA

Já a esquerda comemora o julgamento da trama golpista como um dia histórico e celebram o dia como de defesa da democracia —expressão amplamente utilizada pelo governo Lula (PT) também após os ataques golpistas de janeiro de 2023.

Nas redes sociais, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) afirmou que o processo representa um “encontro marcado com a democracia” e que a “Justiça terá a palavra final”. Já o líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães (CE), celebrou o julgamento do ex-presidente e declarou: “Ninguém ficará impune por afrontar a democracia e as instituições”.

A primeira sessão do Supremo, que começou às 9h de terça, foi acompanhado pelo líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) e a deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS).

Ao chegar no local, Jandira disse que o julgamento é lição para o mundo. “Todo processo mostra que tivemos risco irreversível para democracia no Brasil. (…) As instituições brasileiras reagiram, povo brasileiro reagiu”, disse a jornalistas ao chegar no local. “É uma lição realmente para o mundo”, completou.

Já Lindbergh disse não ver espaço para a aprovação do projeto da anistia, mesmo após as condenações na corte. O projeto encontra resistência não apenas na esquerda, mas também em setores do centrão e, sobretudo, no presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

“A gente não aceita discussão sobre anistia. Esse debate vai existir essa semana, mas vai crescer depois do julgamento. Pelas decisões que existem no STF não achamos que existe espaço nenhum. É inconstitucional”, afirmou.

O deputado também criticou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que afirmou que perdoaria Bolsonaro como primeiro ato de governo se eleito presidente. “A pessoa que diz que vai dar o indulto. No momento em que vai acontecer o julgamento do Supremo, isso parece até provocação. São declarações infelizes”, completou.

Tarcísio é hoje o principal nome para a sucessão eleitoral de Bolsonaro, apesar de sustentar publicamente que será candidato à reeleição no governo de São Paulo. Ele intensificou agendas com empresários e discursos com tom eleitoral nas últimas semanas.

O governador chegou a declarar que não iria para Brasília, mas mudou de ideia na véspera e está na capital federal no mesmo dia em que os ministros do Supremo iniciam julgamento do seu padrinho político. Oficialmente, sua agenda é com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), mas há expectativa de conversas com o mundo político.

A convite de Moraes, a ex-presidente da Comissão da Anistia Enea Stutz também acompanha o julgamento da trama golpista no STF. Professora da Universidade de Brasília, ela contou que tem conversado com o ministro sobre justiça de transição, sua especialidade. À Folha de S.Paulo disse estar emocionada com o julgamento, que classificou como histórico e sereno.

“É um julgamento histórico e está sendo exatamente como eu esperava: solene, sereno, com ampla divulgação pública, como em nenhum outro tribunal no mundo, e determinando a quem interessar possa, que no Brasil não se permitirá tentativas de derrubada da democracia”, disse.

“Faltava o Judiciário entrar na defesa intransigente da democracia e responsabilizar criminalmente os violadores de direitos humanos, os adoradores de ditaduras e os destruidores do Estado de Direito.”