BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em atitude inusual no mundo jurídico, mas que se tornou comum no atual julgamento, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) antecipou nesta terça-feira (2) parte do cerne do seu voto, que só deve ser lido na próxima semana.
Antes mesmo de iniciar a leitura do relatório do caso, que é um resumo formal da instrução do processo, Moraes fez uma introdução de caráter político, com recados à pressão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da família Bolsonaro, já antecipando seu juízo ao dizer que as instituições se mostraram sólidas ao resistir a uma tentativa de golpe de Estado.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contesta que tenha havido uma tentativa dessa ordem, sob o argumento de que foram discutidas alternativas “dentro das quatro linhas da Constituição”.
“Um país e a Suprema Corte só têm a lamentar que se tenha tentado de novo um golpe de Estado, pretendendo-se um estado de exceção e uma verdadeira ditadura”, disse Moraes.
“As instituições mostraram sua força e sua resiliência em que pese uma radical polarização política, todos nós devemos afastar com todas as nossas forças e empenho a tentativa de qualquer quebra da institucionalidade.”
Moraes também se manifestou em sentido semelhante ao, novamente, citar o risco que vê na tentativa de apaziguamento com a tentativa de golpe –o termo, uma referência à postura de líderes do Reino Unido e França ante à ascensão de Adolf Hitler, virou um mantra de Moraes nesse processo.
Antecipações de juízos do ministro responsável pela julgamento se iniciaram ainda no período da transição presidencial.
Poucos dias após a vitória eleitoral de Lula (PT) em 2022, o ministro já havia dito que iria tratar como criminosos os que não aceitassem o resultado.
“Os eleitores, em maioria massacrante, são democratas. Aceitaram democraticamente o resultado das eleições. Aqueles que criminosamente não estão aceitando, aqueles que criminosamente estão praticando atos antidemocráticos serão tratados como criminosos”, disse Moraes em sessão do tribunal.
Na decisão que adotou ainda no 8 de janeiro de 2023, no calor dos ataques golpistas à sede dos três Poderes, em Brasília, o ministro reiterou a promessa de punição a todos os golpistas.
“Absolutamente TODOS serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à Democracia, ao Estado de Direito e às Instituições, inclusive pela dolosa conivência, por ação ou omissão, motivada pela ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo.”
Já em julho deste ano, Moraes antecipou posição sobre eventual projeto de anistia discutido pelo Congresso, considerando-o “inconstitucional”.
Isso correu na decisão em que determinou o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro. A discussão de uma possível anistia representa hoje a principal bandeira política do bolsonarismo.
Ao determinar o uso do acessório, Moraes disse não haver dúvida de que Bolsonaro e seu filho Eduardo pretendiam forçar o engavetamento da ação penal da trama golpista, “seja por meio de uma inexistente possibilidade de arquivamento sumário, seja pela aprovação de uma inconstitucional anistia”.
Durante as investigações da trama golpista e de suas ramificações, o ministro foi alvo de críticas dos advogados de parte dos réus, que afirmaram ser impróprio ele conduzir um julgamento no qual figuraria como uma das principais possíveis vítimas.
Moraes era um dos alvos, por exemplo, do plano “Punhal Verde Amarelo”, que estabelecia o assassinato dele, de Lula e do vice, Geraldo Alckmin.
Em uma decisão do final de 2024 relativa a esse caso, por exemplo, o ministro citou a si mesmo 44 vezes.
Pedidos das defesas de declaração de suspeição de Moraes sempre foram negados pelo STF sob o argumento de que, no caso de crimes contra a democracia, a vítima é a coletividade e não um indivíduo. Além disso, ministros como Gilmar Mendes afirmam que quase todos os integrantes da corte eram alvo de ataques do bolsonarismo e que defesas não podem usar o recurso da suspeição para afastar magistrados que as desagradam.
Além do caso da trama golpista, uma série de reportagens da Folha de S.Paulo mostrou, com base em conversas de um ex-assessor seu no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que, nas investigações do inquérito das fake news, Moraes agiu fora do rito, adotando atitudes que, em um processo normal, são atribuições da Polícia Federal (o órgão que investiga) e da Procuradoria-Geral da República (o órgão que faz a acusação).