BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Agricultura endossou críticas a diretrizes do Plano Clima do governo Lula (PT), mas elas foram elaboradas com a participação da própria pasta comandada por Carlos Fávaro.
Documentos obtidos pela Folha apontam a concordância e a participação da equipe de Fávaro na construção deste plano e indicam que o gabinete dele só passou a pedir as alterações após entidades do agronegócio irem a público reclamar de pontos destas normas climáticas.
Procurado desde o dia 21, o Ministério da Agricultura não respondeu a reportagem.
Já o Ministério do Meio Ambiente, que coordena o Plano Clima, afirmou que ele foi aprovado por unanimidade.
“O processo de tomada de decisão foi coletivo e contou com a participação e concordância de todos os ministérios”, disse a pasta, em nota.
O Plano Clima cria diretrizes de redução de emissão de CO2 (dióxido de carbono) alinhadas com a NDC do Brasil, a sigla em inglês para as metas de descarbonização que cada país se compromete a cumprir junto à ONU (Organização das Nações Unidas).
Ele é composto, entre outras partes, pela Estratégia Nacional de Mitigação e por planos setoriais para diferentes áreas, como agricultura e pecuária.
São principalmente essas duas diretrizes que sofreram críticas de entidades do agronegócio, como a Frente Parlamentar da Agropecuária e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Entre outros pontos, elas reclamam que parte do desmatamento atribuído ao setor deveria ser, na verdade, de responsabilidade de outras áreas; que não foram consideradas atividades de absorção de CO2 promovidas pelo agro; e que dados não oficiais foram usados para compor as métricas.
Esse plano foi elaborado sob coordenação dos ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Pesca e da Agricultura. O nome de Fávaro aparece na minuta do documento como o primeiro ministro signatário.
O texto foi aprovado em julho pelo Subex, o grupo de secretários de diversas pastas e que dá subsídio ao CIM (Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima). O conteúdo ainda não passou diretamente pelo gabinete de Fávaro, apesar de ter sido analisado por diversos integrantes da pasta.
O documento ficou 30 dias em consulta pública, até o último dia 18.
No começo de agosto as entidades do setor começara a se queixar e, no dia 15 deste mês após a aprovação no Subex, mas ainda durante o prazo de consulta, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério da Agricultura elaborou, em conjunto com a Embrapa, uma nota técnica na qual endossa essas críticas.
A secretaria, porém, é a mesma que representa o ministério no grupo subsidiário do CIM, que aprovou o documento.
Em 18 de agosto, o último dia da consulta, o gabinete de Fávaro elaborou uma minuta de ofício, com base nessa nota técnica crítica, na qual pede que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, “considere a incorporação das recomendações apresentadas”.
Emails e documentos internos obtidos pela Folha mostram que o Ministério da Agricultura discutiu ativamente, por exemplo, a divisão da responsabilidade pelos gases de efeito estufa emitidos em unidades de conservação, territórios quilombolas ou áreas de preservação.
Segundo pessoas envolvidas no debate e nessas conversas, houve um acordo informal para que alguns pontos fossem novamente discutidos após a consulta pública e que a metodologia e as tecnologias de mensuração de emissões e remoção de carbono da atmosfera fossem aprimoradas.
O Ministério do Meio Ambiente nega o acordo, mas admite o espaço para mudanças em alguns pontos não exatamente o que pedem as entidades do agro.
“Após a consulta pública, as manifestações recebidas são enviadas aos ministérios responsáveis para análise, podendo ser acatadas integralmente, parcialmente ou não acatadas”, afirmou a pasta, em nota.
O objetivo é entregar a versão final, aprovada por todos os ministros, antes da COP30, a conferência de clima da ONU marcada para novembro, em Belém.
JOGO DE EMPURRA
Agora, a pasta da Agricultura pede que parte das emissões contabilizadas no plano setorial da agricultura seja realocada para os de conservação da natureza e energia.
Os documentos setoriais determinam metas de descarbonização de diversos setores. Uma vez que o desmatamento corresponde a cerca de 80% das emissões de gases-estufa do Brasil, as diretrizes mais rígidas são ligadas a isso.
O Plano de Conservação da Natureza, no qual entram as políticas de combate à destruição da floresta do Ministério do Meio Ambiente, apresenta como objetivo zerar a supressão em terras públicas até 2030.
Já o de Agropecuária compreende as emissões da criação de gado, plantações e o desmatamento decorrente dessas atividades e diz que o setor precisa reduzi-las 36% até 2030 e 50% até 3035.
O Ministério do Meio Ambiente admite que é pertinente a reclamação de que não foram contabilizadas estratégias do agro para remoção de CO2 da atmosfera (por exemplo, a manutenção de florestas) e que o tema é tratado por um grupo de trabalho.
“Avançamos no desenvolvimento de metodologia georreferenciada, com base em cadastros públicos e baseada em dados oficiais, para refinar a distribuição das emissões e remoções”, afirmou a pasta.
“Essa metodologia já foi apresentada e debatida no âmbito do governo federal, inclusive com representantes do Mapa [Ministério da Agricultura], Embrapa e MDA, e será apresentada na versão consolidada final do Plano Clima”, completa.
O Ministério da Agricultura quer ainda que as emissões por “mudança do uso do solo” (o que inclui o desmatamento em propriedades privadas) sejam alocadas no Plano de Conservação, não de Agropecuária o que a pasta ambiental não deve considerar viável.
O Plano da Agropecuária também contabiliza os gases produzidos pelo maquinário agrícola, e o Mapa quer repassar isso para o Plano de Energia.
Ambientalistas criticam as diretrizes do setor energético e da indústria, por permitirem aumento de emissões em dez anos, respectivamente em 14% e 34%.
Marta Salomon, especialista sênior em politicas climáticas no think tank Instituto Talanoa, lembra que concentrar as metas no desmatamento é a forma mais prática do Brasil reduzir seu CO2, mas que o plano de outros setores poderia ser mais ambicioso.
“Chama a atenção no plano a redução do percentual de renovabilidade da matriz elétrica, por exemplo, e a manutenção do uso de gás, um combustível fóssil, pela indústria”, diz.