SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Chemise, colete, underbust, casaca e cartola são algumas peças de roupa que foram comuns nos guarda-roupas do século 19, e que, com o passar do tempo, deixaram de ser usadas. Mas não por todos. O designer de moda e alfaiate Paulo Estevão Samu, de 32 anos, só se veste com roupas que eram tendência naqueles tempos.
Com fotos e vídeos -incluindo os populares “arrume-se comigo”- dos seu trajes antigos, ele soma 100 mil seguidores nas redes sociais que acompanham o seu estilo. Fascinado desde criança por livros e filmes que retratam o passado, Paulo sempre se atraiu por histórias de contos de fadas e romances como os de Jane Austen, ambientados nas primeiras décadas de 1800 -período no qual ele é especializado.
“Sempre foi um refúgio, um jeito de escapar para lugares que, à primeira vista, pareciam ter menos problemas”, explica Samu à reportagem. Para ele, a moda funciona como um portal para viajar no tempo, mas sem a ilusão de que o passado fosse perfeito. Cada era, reforça, tem seus problemas e contradições.
Sua viagem a outros tempos começou a acontecer em 2018, quando viu um vídeo do alfaiate britânico Zack Pinsent, que tem mais de 700 mil seguidores, e se veste diariamente com roupas antigas bem similares às que ele usa hoje. “Percebi que era possível fazer o mesmo. Comecei a pesquisar e, aos poucos, substituí tudo o que tinha no guarda-roupa”, conta.
No início, misturava peças históricas com jeans, camisetas e jaquetas de couro. Dois anos depois, abandonou de vez as peças contemporâneas. Há cerca de dois anos, não tem mais nenhuma roupa. Tudo o que usa é feito por ele, pelo marido ou por amigos da comunidade de costura histórica.
A decisão, apesar do estranhamento, foi aceita pelos amigos e familiares. “Sempre fui esquisito, desde pequeno fazia cosplay. Então já estavam acostumados”, diz.
Na rua, no entanto, as reações variam. “Tem quem aponte, ria, peça foto.” Ainda assim, reforça que a escolha não tem a ver com chamar atenção, mas com expressão pessoal “É sobre me sentir bem. A vida é curta demais para não se divertir com o que veste”, explica o designer.
As peças, costuradas à mão ou com auxílio de máquina, também carregam um sentido de sustentabilidade. Tecidos como o linho, explica, são mais adequados ao clima brasileiro do que o jeans ou o poliéster, e têm durabilidade maior. “A indústria da moda é uma das que mais poluem o meio ambiente. Resgatar técnicas antigas é também uma forma de pensar em um futuro mais consciente.”
Ele também reforça que o olhar para o passado, não é saudosismo político. Ao lado do marido, fundou o coletivo Costura Histérica, que reúne recriadores históricos no Brasil. O lema é “roupas antigas em cabeças modernas”, uma tentativa de afastar a associação do estilo a ideias monarquistas, escravagistas, elitistas ou conservadoras. “Olhamos para o passado para aprender com ele, não para endeusá-lo”, afirma.
O estilo ultrapassou o guarda-roupa e se espalhou para outras áreas da vida. O marido trouxe a música clássica para dentro de casa, e o trabalho em um antiquário mantém o casal próximo de objetos antigos. Mas a rotina não está presa no século 19: eles também acompanham realities e escutam artistas como Chappell Roan e Pabllo Vittar. “As roupas são antigas, mas nós estamos conectados com a atualidade”, resume Samu.
Da paixão pelo vestuário surgiu também um negócio. Há quatro anos, Paulo abriu um ateliê de costura histórica, especializado em peças sob medida. O foco vai do século 18 ao início do 19, épocas que domina.
Foi nas redes sociais que o trabalho ganhou visibilidade Seu conteúdo atraiu seguidores curiosos para entender como era possível viver usando apenas roupas históricas. Outros se sentiram encorajados a ousar mais no estilo. “Às vezes a pessoa vê eu me vestindo assim no dia a dia e pensa: então eu também posso usar as roupas que gosto.”
Para Samu, esse é o maior poder da internet: “Ela encontra outras pessoas que também se sentem sozinhas ou diferentes e mostra que está tudo bem ser esquisito, usar roupas fora do padrão. Não tem nada de errado com a gente. Aliás, é até mais legal. O que é ser normal?”.