VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Muito conhecido pelas colaborações com o irmão Josh, em filmes como “Joias Brutas”, de 2019, o cineasta americano Benny Safdie faz sua estreia solo no aguardado “The Smashing Machine”, exibido em competição no Festival de Veneza. A trama é estrelada por Dwayne Johnson, que antes de ir para o cinema era conhecido na luta como The Rock, em uma de suas poucas chances em um papel dramático. Em que, aliás, se sai muito bem.

No longa, ele também tem a oportunidade de desempenhar lutas como as que o tornaram um ídolo, no MMA da década de 1990. A trama se inspira na história real do praticante do mesmo esporte, Mark Kerr, que chegou ao auge em 1997, mas enfrentou problemas com o vício em remédios, que quase o fez se aposentar antes da hora. As brigas com a namorada Dawn, interpretada por Emily Blunt, tampouco cooperavam para seu restabelecimento, e foi preciso passar por reabilitação até retornar ao esporte e se reencontrar.

O cinema tem toda uma tradição de obras sobre lutadores, seguindo a mesma estrutura: o começo auspicioso da carreira, o ápice, a decadência, a entrada em termos consigo próprio depois da queda. Esse substrato já gerou obras-primas, como “Sindicato de Ladrões”, de Elia Kazan, de 1954, e “Touro Indomável”, de Martin Scorsese, de 1980 —ambos sobre boxeadores.

Embora fale de MMA, o longa de Safdie não foge desse esquema, e nesse respeito o filme é convencional e sem novidades. Embora o diretor até procure alguns caminhos diferentes para narrar a sua história.

Por exemplo, evita colocar a câmera muito próxima das lutas —ela acompanha tudo com certa distância, sem estetizar ou glorificar a violência. Mas o que o filme possui de mais destacado está fora do octógono, nas interações entre Mark e Dawn.

Existe amor entre eles, mas a incapacidade de comunicação do casal é severa. Em certa cena, quando ela quer demonstrar ternura, diz ao namorado que seu jeito cuidadoso com as coisas o tornaria um ótimo pai —o que, aos ouvidos de Mark, soa como uma acusação por ele ter preferido nunca ter filhos. E a relação é cheia de mal-entendidos do gênero.

Blunt tem uma atuação notável, sem exagerar na caracterização da mulher pouco letrada e que usa roupas coladas ao corpo. Ela atua com respeito pela personagem, sem querer nunca deixar claro que ela, Blunt, não é assim na vida real e que está apenas “atuando”. Procura recriá-la honestamente, sem truques fáceis.

Mas o que surpreende mesmo é Johnson, que tem uma performance irretocável. Quando ele se irrita com um disparate dito pela namorada, não reage de imediato, mas lhe direciona um olhar tão enfurecido que existe ali mais violência que no momento de explosão logo em seguida, quando atrapalhadamente soca uma porta e a destrói na base do murro.

Mas seu Mark não é o caso clássico do brutamontes incapaz de fazer algo que não seja violento. Ele é um homem sensível, até relativamente instruído, que diz que se tornou um lutador porque, ali, conseguiu ter o que ele diz ser a melhor sensação possível a um ser humano: a de vitória. Se ele fosse um ás da matemática, por exemplo, provavelmente se dedicaria a vencer lidando com números. Mas a adrenalina que ele teria seria a mesma, e sua tristeza diante da derrota despertaria o mesmo desencanto que desperta no octógono. Johnson já aparece como possibilidade no Oscar do ano que vem.

Ainda na competição, a norueguesa Mona Fastvold apresentou o estranho musical “The Testament of Ann Lee”. Coescrito por ela e o marido, Brady Corbet, de “O Brutalista”, o roteiro retraça a trajetória da britânica que migrou no século 18 para a América para evangelizar a população, divulgando a crença religiosa dos shakers.

O filme tem muita cantoria chata e involuntariamente soa como uma grande e extemporânea pregação espiritual por parte da cineasta. A ideia era trazer à luz o papel pioneiro de uma mulher no meio religioso, mas os dogmas defendidos pela protagonista vivida por Amanda Seyfried são apenas superficialmente progressistas. No fundo, são tão conservadores que talvez fosse melhor, para as intenções feministas da diretora, que deixasse Ann Lee esquecida pela História.

Fora da disputa, a argentina Lucrécia Martel levou ao Lido “Nuestra Tierra”, seu primeiro documentário. Fala sobre a morte do líder indígena Javier Chocobar, assassinado por brancos em uma disputa por terras no norte da Argentina.

Para além da temática dos conflitos agrários, o longa tem outros elementos de grande interesse enquanto registro. Durante o julgamento do assassinato, é possível confrontar os discursos empolados, agressivos e arrogantes dos brancos com as falas simples, precárias e despidas de artifícios dos indígenas. Analisar a forma discursiva de cada grupo implicado traz talvez mais informações sobre o que aconteceu que saber dos fatos debatidos no julgamento.