SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano depois de anunciar um crédito de R$ 487 milhões junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a Sigma Lithium ainda não recebeu o dinheiro, o que a obrigou a diminuir o ritmo de sua expansão. A maior mineradora de lítio do Brasil está em aperto financeiro e tem dificuldades de encontrar uma instituição financeira disposta a ser a fiadora do empréstimo.

O empréstimo foi divulgado em 29 de agosto de 2024 como o recurso que tornaria possível a ampliação da produção de lítio da empresa. Hoje, a Sigma tem capacidade de extrair até 270 mil toneladas de lítio concentrado por ano e seu objetivo era chegar a 520 mil ainda neste ano, o que a colocaria como uma das maiores mineradoras do mundo neste setor. Sem o dinheiro, no entanto, não foi possível passar da terraplanagem.

O valor disponibilizado pelo BNDES cobre quase todos os investimentos para a ampliação e é visto como essencial pela empresa. O crédito, anunciado à época, previa uma taxa de juros anual de 7,45% por 16 anos, bem abaixo da atual taxa Selic, de 15%. O dinheiro viria do Fundo Clima, disposto a apoiar empreendimentos ligados à redução de gases de efeito estufa na atmosfera –lítio é a principal matéria-prima das baterias de carros elétricos.

Mas, para efetuar o empréstimo, o BNDES exigiu que a empresa apresentasse uma carta fiança assinada por algum banco brasileiro. Nenhuma instituição financeira procurada pela empresa, no entanto, aceitou até agora ser a fiadora da Sigma. O prazo se encerra em abril do ano que vem, mas as negativas atrapalharam os planos da empresa.

A atual situação financeira da empresa, que tem sofrido com os baixíssimos preços do lítio no mercado internacional, dificulta a obtenção da carta fiança, segundo pessoas próximas da mineradora. Em 2023, por exemplo, o lítio chegou a custar cerca de US$ 8.000 a tonelada, mas, quando a Sigma iniciou seus primeiros embarques para a China, o preço já estava próximo de US$ 2.488 por tonelada. Desde então, já beirou U$ 700 e hoje está em US$ 900.

A queda foi drástica para a empresa, que viu o preço de suas ações despencar 80% desde maio de 2023. Com a desvalorização, a empresa passou a valer 1 bilhão de dólares canadenses, quando antes valia quase 6 bilhões. A Sigma está listada na Bolsa de Toronto e na Nasdaq.

A queda do preço afetou as receitas da empresa, que preferiu segurar o ritmo das vendas para evitar o mercado em baixa. No último dia 15, por exemplo, a Sigma anunciou uma queda 23% no volume de vendas no segundo trimestre de 2025 em relação ao mesmo período do ano passado e de 34% em relação ao primeiro deste ano.

“Retiramos temporariamente o produto do mercado durante períodos de intensa volatilidade de preços para preservar o poder de precificação e proteger as margens de longo prazo”, informou a empresa em comunicado a investidores. A estratégia, no entanto, tende a afetar o caixa da empresa, já impactado pelas vendas a preços menores nos últimos meses. Ao final do segundo trimestre de 2024, por exemplo, a empresa tinha um caixa de US$ 75 milhões, que agora é de US$ 15 milhões.

A Sigma diz estar em estágio avançado de discussões com bancos internacionais. “A volatilidade observada no preço do lítio —com variação de aproximadamente 50% no segundo trimestre de 2025— levou a companhia a adotar uma postura cautelosa, optando por aguardar mais um trimestre para buscar condições de mercado mais favoráveis à conclusão dessas operações”, afirmou em nota.

Segundo a nota, a empresa não tem buscado mais bancos nacionais, devido ao patamar alto da Selic. Mas frisou que seu plano de investimentos segue conforme previsto.

De acordo com Rossandro Ramos, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e um dos maiores especialistas em lítio no Brasil, a queda do preço do lítio se justifica pelo excesso de oferta pelos chineses, donos de uma das maiores produções do mundo.

“A China viabilizou a produção de lítio com uma concorrência irracional a partir da lepidolita, um mineral com baixo teor de lítio; enquanto o nosso tem 1,6%, o deles tem 0,6%. Mas agora, o governo está criando novas regras, para limitar essa concorrência, o que deve ajudar a aumentar os preços novamente”, diz.

“De qualquer forma, essa dor da Sigma é a dor de todos que carecem de uma política de financiamento. Muitos projetos aprovados pelo BNDES podem travar nas garantias de financiamento”, complementa.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, há receio dentro do setor de que outras mineradoras sofram as mesmas dificuldades no edital de R$ 5 bilhões do BNDES dedicados a projetos de minerais críticos. Como grande parte dessas empresas têm valor de mercado bem abaixo da Sigma, o entendimento de executivos é que dificilmente algum banco estaria disposto a ser seus fiadores. Dos R$ 46 bilhões que o BNDES analisa, quase metade é de projetos de lítio ou terras raras.