RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – “Heitor vai ter que dormir no hospital.” O título do livro infantil de Lurdiano Freitas, 30, antecipa o enredo delicado: a experiência da internação vista pelos olhos de uma criança.

De Ipatinga, no interior de Minas Gerais, o estudante do 9º período de medicina ganhou projeção em 2024 ao falar sobre estratégias para acolhimento de pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde). Lurdiano viralizou nas redes sociais ao mostrar como funciona o método Ligações de Afeto, desenvolvido por ele, que consiste em telefonar para o paciente uma semana após a consulta nas UBS (Unidade Básica de Saúde) para saber se houve melhora no quadro.

O estudante agora quer levar sua visão sobre uma prática mais humanizada da medicina para dentro dos hospitais, onde vê a necessidade de acolher um público ainda mais vulnerável: crianças em tratamento.

Ele conta que a ideia surgiu durante estágios em oncologia pediátrica no Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, e também em unidades de saúde do Vale do Aço, região onde cresceu.

“Percebia que as crianças ficavam muito tristes durante a internação. E comecei a me colocar no lugar delas. Como sou letrólogo de formação e já escrevia outros gêneros, comecei a escrever livros infantis baseados em histórias reais”, conta à Folha de S.Paulo.

O primeiro deles, “Heitor vai ter que dormir no hospital”, explica de forma lúdica o que acontece após uma criança ser internada: os exames, os cuidados, a rotina com médicos e enfermeiros. “Quero tornar a internação menos assustadora para as crianças”, diz. “O objetivo é mostrar que o hospital é um lugar de cuidado, e não apenas de dor.”

As ilustrações foram feitas com apoio de inteligência artificial, mas Lurdiano diz que o texto foi todo escrito por ele.

Sem patrocínio, o estudante conta que bancou a primeira tiragem, de 3.000 exemplares, com recursos próprios. Os livros serão distribuídos em setembro no Hospital da Baleia, e a ideia é fazer também uma parceria com a Secretaria de Saúde de Ipatinga.

Lurdiano será homenageado em setembro pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelos serviços prestados ao estado. Ele conta que seu “Receituário de Afeto”, em que adesivos e desenhos substituem palavras difíceis nas prescrições médicas, já foi usado em 11 mil unidades de saúde do país.

Ainda que alcance milhões de visualizações para suas publicações na internet, Lurdiano diz que não se considera criador de conteúdo, mas alguém que compartilha vivências para inspirar outros profissionais. “Ontem mesmo recebi relatos de alunos que começaram a ligar para os pacientes depois de me ouvirem em uma palestra”, disse ele à reportagem na última quinta-feira (28).

Nascido em Água Boa (MG), filho de uma professora e de um fazendeiro, Lurdiano conta que cresceu ajudando o pai a tocar o gado. Antes de cursar medicina, formou-se em letras e em administração, em 2021, em meio à pandemia de Covid, percebeu que ainda poderia realizar seu sonho de infância.

Hoje, divide os estágios obrigatórios da faculdade com seus projetos pessoais, sem vínculo com a instituição. A próxima meta, ele diz, é mostrar que o atendimento nas UPAs (Unidade de Pronto Atendimento) pode ser humanizado mesmo em consultas breves.

“Não é o tempo que determina se uma consulta foi humanizada ou não. O que importa é a conexão com o paciente”, diz. “O professor Celmo Porto, pai da semiologia médica brasileira, me disse uma vez: o que importa na medicina são as vivências. E eu quero ter vivências reais com os meus pacientes.”