JERUSALÉM, ISRAEL (FOLHAPRESS) – O bairro de Sheikh Jarrah fica a uma curta distância de caminhada da Cidade Velha de Jerusalém, onde milhares de turistas de todo o mundo e de várias crenças visitam todo ano locais considerados profundamente sagrados como o Muro das Lamentações, a Basílica do Santo Sepulcro e o Domo da Rocha e mesquita Al-Aqsa.
Embora não esteja no roteiro da maioria dos visitantes da Terra Santa, Sheikh Jarrah se tornou, por um período, quase tão citado na mídia internacional quanto os locais turísticos de Jerusalém. Isso porque o bairro de população predominantemente palestina em Jerusalém Oriental ocupada esteve no centro de uma disputa por terras que desencadeou a pior crise no conflito Israel e Palestina desde 2014.
Argumentando que a propriedade das casas de algumas famílias palestinas de Sheikh Jarrah era inicialmente judia, colonos e membros de partidos da extrema direita israelense (entre eles o hoje ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir) pressionaram para que os palestinos fossem despejados. A maioria das famílias vive no bairro desde pelo menos 1948, e muitas chegaram ao local depois de serem expulsas de cidades como Tel Aviv, Haifa e Jerusalém Ocidental após a fundação do Estado de Israel.
A disputa jurídica desencadeou a chamada Crise de 2021, quando o grupo terrorista Hamas e outros grupos extremistas reagiram aos planos de despejo de palestinos e dispararam mísseis que mataram 14 pessoas em Israel. No mesmo período de duas semanas, bombardeios de Tel Aviv mataram 256 palestinos na Faixa de Gaza.
A crise arrefeceu quando a Suprema Corte de Israel congelou algumas ordens de despejo, e um cessar-fogo foi acordado entre o governo israelense e o Hamas. Ativistas palestinos de Jerusalém Oriental hoje, porém, dizem que o padrão de expulsões e demolições de casas não foi interrompido e que ganhou força após os ataques terroristas de 7 de Outubro, que desencadearam o conflito atual em Gaza.
“A vida dos palestinos já não era simples até o dia 6 de outubro de 2023”, diz Yazan Rishiq, 34, ativista palestino e doutorando em economia pela Universidade Árabe-Americana de Ramallah, em referência à véspera do início desta guerra. “O governo israelense usa agora as mesmas ferramentas de antes: demolição de casas, ordens de despejo. Mas o ritmo aumentou muito.”
De janeiro de 2023 a agosto de 2025, 610 construções de palestinos foram demolidas em Jerusalém Oriental, de acordo com dados do Ocha, o escritório de ajuda humanitária da ONU. No mesmo período, 1.637 pessoas foram deslocadas à força. Os números mostram ainda que 2023 e 2024 foram os anos com mais demolições desde o início da série histórica, em 2009.
Palestinos de Jerusalem Oriental ouvidos pela Folha de S..Paulo e que não quiseram se identificar por medo de represália corroboram a impressão de Yazan, dizendo ter sido alvo de repressão intensificada e prisões após o 7 de Outubro. Um deles teve o negócio invadido por soldados e foi detido.
Israel afirma que destrói casas por razões administrativas, citando prédios erguidos de maneira irregular e sem autorização, ou por razões de segurança, mirando estruturas que, afirma, são utilizadas por terroristas para planejar ataques, fabricar bombas ou estocar armas.
Yazan é o diretor-executivo da ONG Grassroots Jerusalem. Ele recebeu a reportagem em Sheikh Jarrah, na sede da organização uma pequena sala abarrotada de documentos e livros, duas mesas, duas cadeiras e um ar-condicionado fraco demais para a tarefa de resfriar o ambiente naquele final de tarde escaldante de Jerusalém.
Fundada em 2011, a Grassroots Jerusalem tem o objetivo de “ser um centro de pesquisa e aprendizado sobre Jerusalém e resistir à ocupação, limpeza étnica e remoção” de palestinos no território. A ONG organiza passeios turísticos da região para estrangeiros, diz Yazan. “Não são passeios divertidos. São tours políticos que falam sobre as medidas impostas de maneira sistemática por Israel contra os palestinos para expulsá-los da cidade.”
Uma dessas medidas é o muro construído por Israel para separar a Cisjordânia do território israelense. Embora seja uma cerca tripla de arame farpado na maior parte de sua extensão, em Jerusalém trata-se muitas vezes de um muro de concreto de 9 metros de altura. Ele foi erguido depois da Segunda Intifada, uma revolta palestina que gerou uma onda de violência de 2000 a 2005, e Israel afirma que sua existência é crucial para a proteção de seus cidadãos e para a estratégia de prevenção de ataques terroristas.
“Se você constrói um muro que separa palestinos uns dos outros, que destrói a vida comunitária e a economia dos palestinos, não pode dizer que o construiu por motivos de segurança. O muro controla até mesmo quem você pode amar e com quem você pode casar”, afirma Yazan Israel exige que palestinos da Cisjordânia tirem uma permissão, raramente concedida, para se mudar para Jerusalém Oriental, e palestinos que deixam a cidade podem perder o direito de voltar.
O território se encontra legalmente dentro da Cisjordânia, cujas fronteiras são definidas pela chamada Linha Verde de 1967, e foi formalmente anexado pelo Estado judeu em 1980. Essa decisão foi rejeitada pela comunidade internacional, que espera que a porção oriental sirva como capital de um futuro Estado palestino. Para Israel, entretanto, Jerusalém (Ocidental e Oriental) é a sua capital lá estão o Knesset (o parlamento israelense), a Suprema Corte e o escritório do primeiro-ministro. Uma vez que o status da cidade é controverso, quase todos os países do mundo, com a notória exceção dos Estados Unidos, operam suas embaixadas em Tel Aviv, não em Jerusalém.
Com a anexação, os palestinos que viviam em Jerusalém Oriental (hoje, são 360 mil) tiveram que fazer uma escolha: partir, aceitar a cidadania israelense ou como optou a maioria se tornar um “residente permanente” de Israel, uma categoria jurídica frágil e sujeita a revogação por parte das autoridades de Tel Aviv. Os residentes não têm direito de votar em eleições nacionais de Israel, apenas nas locais.
Yazan, cujo status é de residente, relata uma onde de repressão desde o 7 de Outubro, dizendo que as autoridades israelenses fecharam escolas, cancelaram eventos culturais e aumentaram o número de prisões. “Três escolas foram fechadas por ensinar o que os israelenses consideram um ‘currículo proibido’ em Jerusalém, isso é, ensinar que o que houve em 1948 não foi a independência de Israel, mas sim a Nakba [‘catástrofe’, como os palestinos se referem ao deslocamento de 700 mil pessoas após a criação do Estado judeu].”
Israel afirma que as instituições de ensino foram interditadas porque eram administradas pela UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos cujo funcionamento foi proibido em Israel em janeiro. Tel Aviv acusa a UNRWA de ter vínculos com o Hamas.
Yazan diz que tudo isso contribui para a tensão entre palestinos e israelenses. “Os palestinos não vão simplesmente aceitar tudo isso e dizer graças a Deus”, diz o ativista que faz questão de condenar a violência contra civis no 7 de Outubro e o ódio contra judeus. “Havia judeus na Palestina muito antes de haver israelenses. Não temos problema nenhum com judeus, porque o judaísmo é uma religião como qualquer outra. Temos amigos judeus em vários países que são contra a ocupação. Mas afirmar que você tem uma conexão com essa terra não te dá direito de roubá-la de mim.”