VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Vladimir Putin costuma ser visto no Ocidente, e mesmo em sua Rússia natal, como uma personalidade bastante enigmática. O longa “The Wizard of the Kremlin”, do francês Olivier Assayas, não chega a desvendar o atual presidente russo em sua intimidade, mas procura compreendê-lo melhor, ao traçar um painel dos bastidores que o fizeram deixar de ser uma liderança da antiga KGB, a polícia secreta soviética, e se tornar o homem mais poderoso do país.
Exibido na disputa pelo Leão de Ouro, o filme traz Paul Dano no papel de um personagem fictício, Vadim Baranov, que na trama é um importante produtor de televisão, responsável por orquestrar atrações de TV capazes de formatar a opinião dos russos –ou manipulá-los, para dizer de forma mais clara.
Anos após a derrocada da União Soviética, no fim da década de 1990 o então presidente russo Boris Iéltsin começa a mostrar problemas de saúde, agravados pelo consumo excessivo de vodca. Baranov, que também atuava como marqueteiro no Kremlin, é incumbido de encontrar um sucessor que consiga ter aceitação popular, mas que também continue alinhado com os interesses das oligarquias e da mídia do país.
Fica logo claro que o ainda quarentão Vladimir Putin, que fez carreira no serviço secreto, tinha um perfil condizente com o que precisavam: jovem, atlético, discreto, capaz de transmitir segurança aos russos. Baranov e sua equipe decidem catapultá-lo à presidência.
Não imaginavam, porém, que Putin seria tudo menos um fantoche: extremamente arguto e com um tino acentuado para pensar estratégias, ele logo mostra que fará as coisas do seu jeito e não será tutelado por ninguém. Embora o filme diga que Baranov era uma espécie de Rasputin do presidente, o que se vê é um líder decidido, com a dureza necessária, inclusive, para meter a Rússia em conflitos, como os da Chechênia, da Crimeia e o atual, na Ucrânia. Nesse percurso, até faz concessões aos aliados, mas com o tempo vai se isolando, tornando-se o autocrata que mais concentra poderes no país desde Stálin.
O filme tem mais de duas hora e meia, e a duração se faz notar. Como narra muitos fatos e despeja informações sobre o espectador a todo instante, o longa pode ser impenetrável para quem não conhece muito bem a história da Rússia nas últimas décadas. Ainda que Assayas exiba o habitual talento narrativo e se esmere em algum didatismo, o filme resulta por vezes maçante mesmo aos já iniciados no tema, ainda que Jude Law, com próteses faciais, tenha uma interessante composição como Putin.
Aliás, é uma pena que o filme tenha foco sobretudo na trajetória de Baranov, e não tanto na do presidente, porque enquanto personalidade política é uma figura que merecia um longa só para si. Seria uma obra mais vigorosa se trouxesse alguma hipótese –qualquer uma– que desse conta dos meandros do pensamento de Putin, que muitos creem ser uma nova forma de tsarismo, enquanto outros acreditam ser uma variação liberal dos tempos em que Stálin comandava o maior país do mundo em território.
Em um registro muito mais leve, o americano Jim Jarmusch apresentou a comédia “Father Mother Sister Brother”, com três episódios centrados em relações familiares. No primeiro, Tom Waits vive o pai dos personagens de Adam Driver e Mayim Bialik, que resolvem visitá-lo em sua casa distante após muito tempo.
A falta de assunto e de calor no encontro gera situações estranhas e engraçadas, e a reunião termina como se nunca tivesse acontecido. O segundo episódio se assemelha ao anterior, desta vez mostrando uma mãe, vivida por Charlotte Rampling, que convida duas filhas, interpretadas por Cate Blanchett e Vicky Krieps, para tomarem chá juntas.
Também ali o encontro é uma sucessão de trapalhadas. O terceiro episódio –o pior– mostra dois gêmeos, vividos por Indya Moore e Luka Sabbat, que relembram trechos da infância e se consolam mutuamente após a morte dos seus pais.
O longa tem algumas cenas divertidas que ilustram o quanto as relações familiares podem ser artificiais, mesmo que o amor entre os membros seja inegável. Mas é um filme que não diz muito a que veio e que certamente entrou na competição apenas pelo currículo do cineasta de “Daunbailó”, de 1986, não por suas qualidades.
Fora das salas, o Lido foi palco no sábado de uma manifestação pacífica que reuniu cerca de 10 mil pessoas, protestando contra os ataques e a ocupação de Israel em Gaza. Condenando o que chamam de genocídio, os manifestantes foram mobilizados pelo grupo Venice4Palestine, formado sobretudo por profissionais do audiovisual, que no começo da semana passada escreveu uma carta aberta exigindo um posicionamento do festival mais incisivo em oposição à política israelense na região.
O documento pedia também que os convites aos atores Gerard Butler e Gal Gadot para participar do festival fossem retirados, diante das posições políticas pró-Israel de ambos. O evento declarou que o convite ainda está de pé, mas acredita-se que os astros não comparecerão a Veneza neste ano para evitar confusões.