Entidade pede à Saúde revogação da incorporação de práticas sem eficácia científica

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ANA BOTTALLO


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As chamadas PICs (práticas integrativas e complementares), presentes no sistema de saúde pública, não tiveram sua avaliação e incorporação pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS).


Entre elas, está a ozonioterapia, cujo uso foi sancionado na última segunda (7) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo sem ter comprovação científica e ser alvo de críticas de entidades médicas.
Para ser incluída no SUS (Sistema Único de Saúde), uma terapia, medicamento ou tecnologia em saúde precisa da aprovação da Conitec. Só que, desde a sua criação, em 1988, as quase três dezenas de terapias complementares atualmente incorporadas ao SUS não passaram por esse crivo científico.


Por esse motivo, o Instituto Questão de Ciência, presidido pela microbiologista Natália Pasternak, enviou um ofício na última quarta (9) à ministra da Saúde, Nísia Trindade, solicitando a revisão da legalidade das chamadas PNPICs (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) no SUS.


Criada em 2006, a política, aprovada pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde), define o conjunto de normas e diretrizes que visam incorporar as práticas complementares no SUS, avaliando, por exemplo, políticas de prevenção de agravos e de promoção de saúde segundo as técnicas de acupuntura, medicina tradicional chinesa, plantas medicinais e homeopatia, dentre outros.


Questionado pela reportagem, o CNS, responsável por monitorar as políticas públicas de saúde, disse que não tem nenhuma resolução sobre ozonioterapia.


A pasta da Saúde, por sua vez, disse que “a avaliação e incorporação de qualquer nova prática ou tecnologia no SUS passa pela Conitec, que avalia critérios como evidências científicas, segurança, eficácia e efetividade na saúde pública”, e que “a lei (sancionada) define que os serviços atualmente autorizados estão voltados para o uso odontológico e estético (limpeza e assepsia de pele) e depende de regulamentação pela Anvisa”.


De acordo com o ofício enviado à Saúde, a portaria que inclui as PICs como práticas complementares no serviço público de saúde é posterior à lei nº 12.401, de 2011, que alterou a lei vigente desde 1990 para definir a incorporação de tecnologias em saúde no âmbito do SUS e, portanto, não estaria respeitando esta última.


“Em março de 2017, com a publicação da portaria GM/MS n° 849/2017 e sem qualquer observância à alteração de 2011, foram acrescentadas 14 outras práticas à PNPIC. Em 2018, por meio da portaria GM/MS n° 702/2018, foram incorporadas outras 10 PICs, também sem nenhuma observância à alteração legislativa de 2011, totalizando 29 PICs oferecidas atualmente pelo SUS sem que tenha havido qualquer avaliação técnica prévia para a incorporação dessas práticas pela Conitec”, disse o ofício.


Ainda segundo a carta, o que se pretende demonstrar é que a atual portaria que integra a PNPIC “desrespeita a lei n° 12.401 de 2011, que determina que a avaliação da incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, procedimentos e produtos incorporados ao SUS deve ser analisada pela Conitec, no exercício de sua competência de assessoramento ao Ministério da Saúde”.


“Neste sentido, as práticas integrativas e complementares atuais, em especial aquelas incorporadas em 2017 e 2018, já com a Conitec formalmente instituída, nunca foram analisadas pelo referido órgão técnico, em manifesta violação da lei n° 8080/90.”


A nota pede, ainda, a suspensão imediata das portarias, tendo em vista “o potencial risco ao qual estão submetidos os usuários do SUS”.


Segundo Paulo Almeida, diretor executivo do IQC, o uso de instâncias oficiais, como o legislativo, para legitimar práticas sem evidências é um problema crônico.


“A sanção do PL que autoriza o uso de ozonioterapia em território nacional é um sintoma de um problema crônico que o IQC aponta desde sua fundação”, disse. De acordo com ele, a pasta precisa rever tal endosso a práticas sem validação científica.


A ozonioterapia se baseia na aplicação de ozônio medicinal, uma mistura gasosa que envolve duas substâncias: oxigênio e, claro, o próprio ozônio.


Apesar dos riscos, o presidente sancionou a lei que autoriza profissionais de saúde com curso superior a aplicarem a ozonioterapia como um tratamento complementar.


A lei, proposta em 2017 pelo então senador Valdir Raupp (MDB-RO), reforça que a ozonioterapia é um “procedimento de caráter complementar”, “somente poderá ser realizada por profissional de saúde de nível superior” e precisará ser aplicada com equipamentos devidamente regularizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).


Apesar da lei sancionada ter autorizado a técnica apenas para terapia complementar, diversas clínicas e médicos aplicam a terapia como forma de tratamento para doenças, como Covid-19, dores nas costas e até alguns tipos de câncer.


O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, comparou a liberação do uso da ozonioterapia com a cloroquina.
“Na minha opinião, essa liberação da ozonioterapia foi um erro”, afirmou Teich, em rede social. “Agora não temos o caos, o medo, a pressão, a politização e polarização do período agudo da Covid-19, por isso as duas discussões podem parecer diferentes, mas não são. Esse fato mostra como é difícil o sistema de saúde ser conduzido de uma forma técnica e científica”, disse.


No livro “Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério” (ed. Contexto), da microbiologista Natália Pasternak e do jornalista Carlos Orsi, os autores apresentam várias das chamadas práticas complementares como não tendo eficácia e até podendo trazer riscos à saúde.


Durante a pandemia, a Conitec aprovou o medicamento barictinibe, da Eli Lilly, para o tratamento em pacientes adultos hospitalizados com Covid. Outras drogas, como os antivirais Paxlovid (Pfizer) e Remdesevir (Merck), foram aprovados pela Anvisa, mas não tiveram a incorporação definitiva no SUS.
Ainda, o órgão tentou barrar a inclusão do chamado tratamento precoce contra Covid, que havia sido proposto pelo então ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga, mas a pasta decidiu pela não publicação da diretriz.

A atitude foi vista por especialistas como uma vitória da ala pró-cloroquina do governo.