SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tempo de espera por um transplante de córnea no Brasil mais que dobrou em uma década, segundo dados do CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologia) obtidos no SNT (Sistema Nacional de Transplantes). Enquanto em 2015 uma pessoa aguardava em média 174 dias para receber o órgão, a fila para receber o órgão subiu para 374 dias em 2024. Nos seis primeiros meses de 2025, a média já chegou a 369 dias.

Entre 2015 e julho de 2025, foram realizados 150.376 transplantes de córnea no país. São Paulo lidera com 52.913 cirurgias, seguido por Ceará (10.706), Minas Gerais (10.397), Paraná (9.726), Rio Grande do Sul (6.895) e Goiás (6.533). Os estados com menor número de procedimentos foram Acre (212), Tocantins (451) e Alagoas (866).

Em 2024, os estados com maior tempo de espera foram Rio de Janeiro (1.424 dias), Acre (1.065), Alagoas (1.064) e Rio Grande do Norte (1.072). Entre os de menor tempo de espera estão Ceará (58 dias), Santa Catarina (164), Mato Grosso (227), Amazonas (243), São Paulo (247) e Paraná (256).

O Ministério da Saúde foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Até julho de 2025, o Brasil tinha 31.240 pessoas inscritas na fila de espera para fazer a cirurgia de transplante de córnea. São Paulo concentrava o maior número, com 6.617 pacientes (21%), seguido por Rio de Janeiro (5.141) e Minas Gerais (4.346).

A população na fila é majoritariamente feminina (55,7%) e quase metade tem 65 anos ou mais, reflexo do envelhecimento populacional e do aumento de doenças degenerativas da córnea, segundo o CBO. Jovens também estão presentes: 17% têm entre 18 e 34 anos, principalmente devido ao ceratocone (deformação na córnea que pode comprometer a visão), e há 458 crianças e adolescentes na lista.

Segundo especialistas, múltiplos fatores contribuem para o aumento do tempo de espera. Aline Moriyama, coordenadora do comitê de banco de olhos da SBC (Sociedade Brasileira de Córnea) e diretora médica do Banco de Olhos de Sorocaba, no interior de São Paulo, destaca o impacto da pandemia de Covid-19. Em 2020, primeiro ano da emergência sanitária, os transplantes eletivos de córnea foram suspensos por seis meses para liberar leitos hospitalares, o que aumentou a fila.

Outro fator relevante é a limitação na disponibilidade de córneas para doação. A coordenadora explica que muitas famílias recusam a doação por desconhecimento ou falta de diálogo prévio com o potencial doador. A conscientização sobre a importância da doação de córneas e sobre o procedimento em si é fundamental.

“Geralmente não fica nenhuma cicatriz visível. Fazemos a reconstrução da aparência e o falecido mantém a aparência normal”, diz a médica. “Quando a gente está falando de doação de córneas, a pessoa pode não ser doadora de órgãos e ainda assim ser doador de córnea. A doação pode ser feita até 12 horas depois da morte cardio-respiratória.”

Além disso, o repasse financeiro do SUS (Sistema Único de Saúde) para bancos de olhos está defasado há mais de uma década, enquanto os custos de insumos e exames aumentaram com novas exigências e tecnologias.

Para enfrentar a fila crescente, o setor tem buscado reajustes nos repasses do SUS, além de campanhas de conscientização da população e políticas que facilitem a identificação de potenciais doadores. O SNT, braço do Ministério da Saúde responsável pelos transplantes, publicou um decreto em maio para aumentar o valor de repasse para dois itens essenciais: líquido de preservação da córnea e sorologia. Ainda assim, especialistas afirmam que mais medidas são necessárias para equilibrar os custos e ampliar o número de doações.

“O aumento do custo de manutenção dos bancos de olhos não foi acompanhado de um aumento proporcional dos repasses do SUS, mesmo com novas exigências e tecnologias mais caras”, afirma Moriyama.

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.