SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma investigação do Ministério Público de São Paulo aponta a existência de um “departamento extraoficial para pagamento de propinas, desvios de recursos e expansão ilícita de atividades” na diretoria da OS (Organização Social) Mahatma Gandhi, que gerencia unidades de saúde em cinco estados do país.
Com sede em Catanduva (SP), a entidade foi alvo de operação deflagrada no início de agosto para apurar desvios em verbas da saúde. Somados, os contratos sob suspeita somam R$ 1,6 bilhão.
As informações constam no inquérito aos quais a Folha de S.Paulo teve acesso. O caso tramita sob segredo de Justiça. A operação realizada no início do mês culminou na prisão temporária depois convertida em preventiva de 12 dos investigados.
Segundo a Ministério Público, o esquema envolvia a abertura de empresas por parte de diretores da organização social que depois transferiam a titularidade dos CNPJs a terceiros, o que incluía moradores em situação de rua, de acordo com as investigações.
O “departamento de propina” abrangia um núcleo de expansão a partir do qual a organização social angariava novos contratos. Segundo o Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado), que conduz as investigações, a sede em Catanduva centralizava as estratégias do esquema.
A Justiça interveio na direção da organização social e nomeou uma administradora judicial para operá-la. A decisão atendeu um pedido da Promotoria, para quem a antiga gestão institucionalizou “a malversação de recursos públicos como modelo de gestão, com graves danos ao erário, alto impacto nos serviços de saúde e sobre os direitos dos trabalhadores”.
Promotores suspeitam que a cúpula da organização social chegou a receber informações antecipadas sobre a operação, realizada no dia 7, num sinal de que “o grupo criminoso possui tentáculos pelo sistema de justiça e segurança pública”.
Durante buscas na sede da entidade em Catanduva, por exemplo, membros do Ministério Público descobriram mensagens enviadas na manhã daquele dia nas quais funcionários da Mahatma Gandhi orientavam colaboradores a apagar dados e evitar comparecimento à sede.
Em Bauru (SP), onde diligências também foram realizadas, o sistema de notas fiscais mantido pela OS saiu do ar um dia antes e permaneceu indisponível aos promotores durante a operação. Uma funcionária disse ter estranhado a situação “pois todas as vezes em que o sistema caiu, o problema era imediatamente solucionado”, diz um registro escrito a mão que consta do inquérito.
Um dos alvos da operação, Sildiney Gomes da Costa, figiu na madrugada do dia da operação, por volta de 1h, segundo sua mulher, e seu paradeiro permanece incerto. Ele já foi preso em outra operação, de 2020, suspeito de desvios também na saúde. Foi quando deixou a Mahatma. A Folha de S.Paulo não localizou sua defesa.
Costa, de acordo com o Ministério Público, foi responsável por apresentar o “modelo criminoso de gestão” a Luciano Pastor, presidente da organização social, e ao ex-vice-presidente da Mahatma Marcelo Fernandes dos Santos. Esse último deixou o cargo em 2021, mas manteve procuração para operar contas bancárias da organização social até fevereiro de 2024, segundo o MP. Tanto ele como Pastor estão presos.
“Chama a atenção o restrito rol de pessoas com acesso aos cofres da entidade, todas conectadas direta ou indiretamente aos fatos criminosos”, diz a Promotoria.
Procurada na manhã de quarta-feira (27), a defesa de Marcelo Fernandes não se manifestou até a publicação deste texto. A defesa de Luciano Pastor, por sua vez, disse que não comentaria o caso.
Para o Ministério Público, a saída de Sildiney Costa deu lugar à indicação de Vinícius Delalibera, preso na operação de agosto num hotel de Catanduva com dois celulares, um dos quais formatado e sem chip.
IRREGULARIDADES EM EMPRÉSTIMOS
A investigação vê indícios de irregularidade num empréstimo de R$ 11 milhões que Delalibera contraiu da Mahatma Gandhi em nome da empresa Dallas, considerada pelas investigações a principal empresa fraudadora. O Gaeco diz que a negociação “não possui lógica econômica e racionalidade”.
Segundo a Promotoria, a Dallas “pratica alto fluxo de dinheiro por intermédio de empresas de fachada, triangulações financeiras com finalidades espúrias, com fracionamento de recursos em atividade típica de manobras de lavagem de dinheiro”.
Um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) mostra que Delalibera recebeu R$ 16 milhões em suas contas e devolveu R$ 6 milhões aos cofres da organização social.
Delalibera chegou a ter cargo formal na Mahatma, mas passou depois a atuar como prestador de serviços. O Ministério Público diz que a empresa dele “financia atividades do grupo criminoso, como o alto fluxo de pagamento de passagens áreas para a cúpula da organização social” e que Delalibera seria diretor oculto da Mahatma.
À Folha de S.Paulo a defesa dele, representada pelo advogado Caio Alcântara, do escritório Demóstenes Torres, afirmou que não pode comentar o mérito do caso porque a investigação tramita sob sigilo. Ele declarou ter enfrentado dificuldade para acessar os autos e disse que trabalha pela soltura de Delalibera.