HANITA E ZAR’IT, ISRAEL (FOLHAPRESS) – O kibbutz de Hanita existe há mais tempo do que o Estado de Israel. Fundado em 1938 com o objetivo de fortalecer a presença judaica em território que seria repartido pela ONU, a comunidade agrícola hoje fica no extremo norte do país, localizada a poucos metros de distância da Linha Azul, demarcação que funciona na prática como a fronteira entre Israel e o Líbano.

Como parte da guerra entre o Estado judeu e o grupo armado libanês Hezbollah após o ataque de 7 de Outubro, conflito que se intensificou em 2024, cerca de 1 milhão de pessoas foram deslocadas de suas casas no Líbano e entre 60 e 96 mil pessoas foram retiradas pelo governo israelense do norte de Israel. Entre elas, os moradores de Hanita, kibbutz alvejado por mísseis do Hezbollah e cujos residentes só agora, com a derrota da milícia apoiada pelo Irã na guerra, começam a voltar.

Moradores ouvidos pela Folha, porém, não acreditam no desarmamento do Hezbollah anunciado pelo Líbano e cujo desenrolar é tema de negociação entre Beirute, Tel Aviv e Washington.

De outubro de 2023 até novembro de 2024, quando Israel anunciou um acordo de cessar-fogo com o Hezbollah que ainda perdura, 4.000 pessoas morreram e 16 mil ficaram feridas em bombardeios israelenses contra o Líbano, de acordo com o governo em Beirute. Tel Aviv afirma ter matado 3.800 combatentes do Hezbollah e diz ter perdido 86 soldados na campanha. Cerca de 50 civis israelenses foram mortos por foguetes da milícia libanesa.

Ao fim do conflito, durante o qual Israel matou o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, a milícia libanesa estava enfraquecida e em seu pior momento em décadas. Essa fragilidade encorajou Israel a lançar a guerra contra o Irã em junho deste ano, apostando que o Hezbollah não seria capaz de retaliar significativamente —avaliação que se mostrou acertada.

Em outubro de 2024, o Líbano foi invadido pelas Forças Armadas de Israel, e negociações para que as tropas saiam do território libanês ainda se arrastam quase um ano depois do fim do conflito atual. Nesta segunda-feira (25), o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu disse que pode ordenar uma retirada do sul do Líbano se o governo do presidente Joseph Aoun “tomar as medidas necessárias” para desarmar o Hezbollah.

Aoun, eleito em janeiro deste ano para o cargo, protagoniza hoje o que alguns especialistas enxergam como um ponto de inflexão na história libanesa. Com um discurso de que o Estado voltará a ser o único ator armado no país, o político vem se afastando do Irã, patrono político do Hezbollah e cujo apoio permitiu que a milícia fosse, por anos, mais poderosa militarmente do que o Exército do Líbano.

Ao mesmo tempo, Aoun promete “acabar com a ocupação de Israel” do sul do país enquanto desarma o Hezbollah e promove o retorno das Forças Armadas libanesas à área entre o rio Litani e a Linha Azul —área de atuação da Unifil, força de paz da ONU que tinha o mandato de impedir a presença do Hezbollah na área, mas que não conseguiu impedir que a milícia utilizasse o território para lançar ataques contra Israel.

Em operação desde 1978, o mandato da Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano, na sigla em inglês) é renovado anualmente pelo Conselho de Segurança da ONU. Nesta quinta (28), após um acordo entre a França e os Estados Unidos, o órgão deve determinar que a missão de paz seja encerrada até 2027 —uma vitória para Israel, que afirma que os capacetes azuis foram ineficazes em desarmar o Hezbollah. Durante a invasão do Líbano em 2024, a ONU acusou as Forças Armadas israelenses de disparar contra bases da Unifil.

Em visita ao kibbutz Hanita e ao ponto de observação de Zar’it, a poucos metros da Linha Azul, a Folha constatou que apenas alguns moradores da comunidade já decidiram retornar às suas casas, mesmo com o cessar-fogo e as capacidades militares do Hezbollah fortemente degradadas. Em conversa com a reportagem, alguns dos habitantes do kibbutz afirmam que é apenas questão de tempo até que a milícia libanesa recupere suas forças e volte a ameaçar civis do outro lado da Linha Azul.

“Em maio de 2000, Israel se retirou do Líbano e disse aos seus habitantes próximos à fronteira: não se preocupem, vamos te proteger. No dia seguinte, o Hezbollah estava de volta a postos de observação [na Linha Azul]”, diz Sarit Zehavi, tenente-coronel da reserva das Forças Armadas de Israel e diretora do Alma Center, think tank especializado na situação militar do norte de Israel.

Para ela, os moradores de Hanita e outras comunidades na fronteira só se sentirão completamente seguros para retornar se o governo libanês apresentar provas concretas de que está desarmando o Hezbollah —ou se o Exército israelense mantiver sua presença militar no sul do Líbano.