BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O setor de saneamento básico brasileiro vem passando por uma transformação de 2019 para cá. Com os incentivos trazidos pelo marco legal, o número de leilões e privatizações acelerou, expandindo a operação privada de água e esgoto para um terço dos municípios do país. Para os próximos anos, a agenda de concessões deve seguir intensa.
Se por um lado o setor vive um boom, por outro assiste à fragilização das agências reguladoras infranacionais, que são as entidades responsáveis por acompanhar e fiscalizar novos contratos, obras e empresas que assumem os serviços.
Segundo especialistas, o cenário se assemelha ao visto nas agências federais, que reclamam de aperto orçamentário, quadro de servidores incompleto e incapacidade de executar ações de fiscalização.
No saneamento básico, a regulação fica a cargo das agências infranacionais, que podem ser municipais, estaduais ou intermunicipais. No nível federal, a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) ganhou a atribuição de editar normas de referência para uniformizar as regras pelo país após o marco legal, aprovado em 2020.
Em evento da Abcon (associação das operadoras privadas de saneamento) nesta terça (26), Nazareno Araújo, diretor interino da ANA, disse que existem hoje 107 agências infranacionais conhecidas.
“Nossa sensação de uma forma geral é que há poucas agências reguladoras em condições, [ou seja] que reúnem mandato fixo, corpo técnico especializado para acompanhar a complexidade de uma concessão, de um contrato, ou que tenham capacidade de fiscalizar a efetiva distribuição dos serviços de água e esgotamento sanitário.”
Segundo o diretor, considerando as respostas das entidades infranacionais a uma norma de referência da ANA, a expectativa é que cerca de 20 agências no país estejam em conformidade com os requisitos de governança e, portanto, em condições de fazer frente aos desafios impostos pelo aumento da participação privada no saneamento básico.
Pelo lado dos usuários, um dos riscos é que o sucateamento funcione na prática como uma “carta branca” às companhias. Isso porque é papel das agências impedir que as concessionárias inflem as tarifas ou prestem serviço de má qualidade.
Mas o cenário também levanta receio entre empresas e investidores, principalmente em relação à governança. É comum que diretores de agências sejam escolhidos para o cargo não pela competência ou qualificação técnica, mas pela vinculação política.
O receio do setor privado nesse caso é que a agência reguladora não impeça abusos do governo para congelar tarifas, entre outras iniciativas que podem levar a desequilíbrios financeiros na concessão.
Vinicius Benevides, presidente da Abar (Associação Brasileira de Agências Reguladoras), diz que há agências, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, que fazem um serviço correto e têm alto nível de capacitação. “Nós temos diversos Brasis, não dá para botar todas no mesmo nível.”
Ele lembra que algumas, por exemplo, arrecadam via taxas de fiscalização, enquanto outras dependem do orçamento dos governos de plantão.
Ainda assim, Benevides diz que a questão orçamentária é um fator de preocupação para todas as entidades.
“As agências sofrem não é por falta de capacidade, é porque não têm dinheiro para contratar. As federais estão em média com 30% do quadro defasado, e isso se reflete nas infranacionais”, diz. “Nós temos um problema orçamentário, que dificulta a fiscalização e a contratação de pessoal. Coisas que seriam obrigatórias, as agências não estão fazendo. Esse é o grande dano”, acrescenta.
O cenário de decadência das agências contrasta com o ritmo que a própria legislação impôs para o crescimento do setor.
O marco do saneamento definiu a meta de ampliar o acesso à água potável para 99% da população até 2033. Até lá, o tratamento e a coleta de esgoto também devem alcançar 90%.
“O único setor que é obrigado a crescer por lei no Brasil é o saneamento básico. Não há nenhuma outra lei, nenhum outro marco que obrigue a ter [mais] estradas, creches, ensino. Nenhum outro setor da economia tem uma lei com algo tão objetivo em termos de prazos e metas”, afirmou Fernando Passalio, presidente da Copasa, durante o evento da Abcon.
Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, destaca que as agências terão papel fundamental no acompanhamento desse processo de universalização.
“Regulação é algo fundamental, independentemente se o serviço está sendo prestado por uma empresa pública ou privada. Ela é a segunda instância para se fazer cumprir as metas do marco. É a regulação que vai estipular os critérios do nível de operação e expansão do serviço”.
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O repórter viajou a convite da Abcon