BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Damasceno, deixou de usar aviões militares desde julho diante da restrição orçamentária e da alta demanda de autoridades por voos da FAB (Força Aérea Brasileira).

Damasceno tem recorrido a voos comerciais para suas viagens a serviço, segundo seis oficiais-generais ouvidos pela reportagem.

O chefe da Força Aérea passou a utilizar as companhias aéreas porque o baixo orçamento para manutenção causou a paralisação de 40 aeronaves e o afastamento de 137 pilotos desde julho.

Uma das áreas priorizadas pela FAB é o transporte de autoridades. O grupo que realiza o serviço, porém, sofreu baixas neste ano. Por isso, a Aeronáutica não tem conseguido atender a todos os pedidos.

Um decreto presidencial de 2020 define quais autoridades têm direito a usar os aviões da FAB e estabelece uma prioridade de atendimento. O presidente Lula (PT) não entra na fila porque tem aviões presidenciais à disposição.

O primeiro da lista de prioridade é o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Na segunda prateleira estão os presidentes do Senado, da Câmara e do STF (Supremo Tribunal Federal). Depois deles são atendidos os ministros de Estado, com precedência para os ministérios mais antigos da Esplanada.

Só se houver aeronave disponível após a demanda das autoridades prioritárias é que os chefes das Forças Armadas poderão utilizar os voos da FAB para suas viagens a serviço ou por questões de saúde ou segurança.

É com esse cenário que o tenente-brigadeiro Damasceno tem encontrado dificuldade para realizar suas viagens com os aviões da Força Aérea que comanda.

O primeiro revés ocorreu em 10 de julho, quando precisou ir a Recife para visitar a base aérea da capital pernambucana. As passagens aéreas foram compradas com uma semana de antecedência ao custo de R$ 5.197.

Damasceno também viajou para Salvador e Belo Horizonte em voos comerciais nos meses de julho e agosto. Fez ainda duas visitas ao exterior, com passagens por Ezeiza (Argentina) e Bogotá (Colômbia), para participar de cerimônias e reuniões bilaterais.

Apesar de o motivo principal ser a falta de aviões para atender às demandas, a nova rotina de Damasceno pelos aeroportos brasileiros tem transmitido aos militares uma mensagem de que o bom exemplo do chefe militar para a economia de recursos deve ser seguido pelos seus comandados.

Procurada, a FAB não se manifestou.

A reportagem conversou com duas pessoas que encontraram Damasceno no Aeroporto de Brasília nas últimas semanas. O comandante da Força Aérea fez as viagens sem o fardamento militar.

A situação contrasta com o uso de aviões da FAB por autoridades, uma das principais críticas feitas dentro do Ministério da Defesa. A avaliação é que o transporte compromete o orçamento da Aeronáutica e põe em segundo plano a missão principal da Força.

Só neste ano, a Força Aérea realizou 700 transportes de autoridades. O número cresceu ao longo do ano, alcançando os patamares mais elevados em março (116) e abril (136).

A redução dos voos da FAB passou a ser sentida em julho, quando os aviões militares realizaram 67 transportes de autoridades —já resultado das novas restrições impostas pela Força.

O recordista em 2025 é o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com 73 voos da FAB. A média supera dez viagens por mês. Ele é seguido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (70), o presidente do STF, Luís Roberto Barroso (69), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski (54), e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira (40).

ARROCHO

A restrição ao uso dos aviões da FAB coincide com o momento em que o comando da Aeronáutica decidiu ampliar o arrocho financeiro para conseguir finalizar o ano sem faltar dinheiro para necessidades básicas, como energia e água.

Um pacote de medidas foi anunciado internamente no início de julho. Uma das medidas previstas foi o corte do expediente: as organizações militares funcionam presencialmente das 8h às 12h, e o período da tarde é cumprido de forma remota.

As missões militares fora da sede foram substituídas por videoconferências.

A parte considerada mais sensível está relacionada às questões operacionais. Por ordem do comando da Aeronáutica, 40 aeronaves devem ficar paradas até o fim do ano por falta de verba para manutenção e combustível.

A Força Aérea também afastou 137 pilotos, inclusive do Grupo de Instrução Tática e Especializada, responsável pela área de ensino. Na avaliação de oficiais-generais ouvidos pela Folha, as restrições orçamentárias devem ter impacto a médio e longo prazo na qualidade e quantidade dos pilotos militares.