SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Por decisão do governo de Xiomara Castro, Honduras decretou estado de exceção em dezembro de 2022, dez meses depois do início de medida semelhante em El Salvador. O objetivo da presidente de esquerda era combater a violência e, sobretudo, a extorsão, já que o crime organizado, com amplo controle territorial, cobra taxas da população.

Entretanto, Honduras tenta copiar o modelo salvadorenho sem considerar as particularidades do país nem as manipulações de dados e as violações de direitos humanos já denunciadas no vizinho, dizem especialistas. Junto com a Guatemala, os dois países formam o Triângulo Norte da América Central, uma das regiões mais violentas do mundo, usada como corredor do narcotráfico rumo aos Estados Unidos.

“O estado de exceção não combate a violência em Honduras. Ao contrário, adiciona mais uma camada e aumenta a extorsão”, disse René Valiente, diretor de pesquisa da ONG Cristosal, à reportagem. “Mais se perdeu em termos de direitos humanos do que se ganhou em segurança.”

O ministro de Segurança, Gustavo Sánchez, defende a medida e afirma que o estado de exceção permitiu reduzir os homicídios em 25% em 2024, “o nível mais baixo da história”, ao situar a taxa em 26,8 homicídios por cada 100 mil habitantes. Enquanto isso, em El Salvador, Bukele afirma ter conseguido reduzir a taxa para 1,9 por 100 mil habitantes em 2024.

No entanto, apesar do discurso oficial, segundo pesquisa da Equipe de Reflexão, Pesquisa e Comunicação (Eric na sigla em espanhol), 70,6% da população hondurenha considera que a medida não está resolvendo o problema da segurança, contra 28% que pensam o contrário.

Embora o combate à extorsão fosse um dos objetivos declarados, 55,6% percebem que a prática aumentou; 15,4% acreditam que diminuiu; e 27% consideram que se manteve igual. Sobre a continuidade da medida, as opiniões estão divididas: 51,2% são contra, enquanto 47% apoiam.

Para o cientista político hondurenho, José Mario López, que integra a Eric, as principais diferenças entre os dois regimes de exceção passam pela diferença de tamanho —Honduras tem uma área mais de cinco vezes maior— e pela estratégia de comunicação midiática de Bukele, que construiu sua imagem nas redes sociais e chegou a se autointitular “o ditador mais cool do mundo”.

Em sua escalada autoritária, o salvadorenho conseguiu a submissão do Judiciário e o controle do Legislativo. Enquanto isso, Xiomara, até agora, concentra seu poder no Executivo e não tem maioria no Congresso, além de não ter Trump como um aliado na Casa Branca.

Mais do que isso, López destaca que a situação hondurenha é singular porque grupos criminosos tem significativo controle territorial e infiltraram-se nas próprias forças de segurança nacional —justamente as instituições que, sob o regime de exceção, ganharam ainda mais poder.

Honduras chegou a ser considerado um narcoestado durante o governo de Juan Orlando Hernández, quando o crime organizado atingiu seu auge de penetração no Estado. Em 2024, ele foi condenado a 45 anos de prisão por um tribunal de Nova York, culpado de participar, entre 2004 e 2022 —período em que foi deputado, chefe do Congresso e presidente—, de uma rede que enviou mais de 400 toneladas de cocaína aos EUA (o equivalente a cerca de 10% da produção global em 2023).

“Longe de garantir segurança, o estado de exceção em Honduras contribuiu para uma maior percepção de insegurança […] e propiciou múltiplos abusos de poder, incluindo maus-tratos, lesões e atos de tortura”, afirmou a Cristosal em relatório divulgado em agosto.

A ONG, que também atuava em El Salvador, foi forçada a se exilar em Honduras e na Guatemala após a escalada repressiva do governo de Nayib Bukele, em maio, que incluiu a prisão de Ruth López, coordenadora da área anticorrupção.

O estado de exceção foi instaurado em 2022 com a aprovação do Congresso e, desde então, já foi prorrogado 22 vezes pelo Executivo.

No dia 30 de novembro de 2025, Honduras realizará eleições gerais para eleger o novo presidente e os 128 representantes do Parlamento unicameral. Xiomara, não poderá concorrer à reeleição.

Se o estado de exceção perdurar, como tudo indica que será o caso, o pleito ocorrerá em um contexto de restrições à liberdade de associação, circulação e reunião, além da militarização da segurança e do sistema eleitoral —fatores que representam ameaças diretas à democracia hondurenha.

O estado de exceção permite prisões sem mandato judicial e mobilizou a Polícia Militar para as ruas. As populações mais impactadas são as vulnerabilizadas e empobrecidas, além da comunidade LGBTQIA+, alvo de estigmatização policial.

Segundo o Comissário Nacional de Direitos Humanos, órgão estatal, foram registradas 924 reclamações por abusos cometidos por policiais entre dezembro de 2022 e abril de 2025.