BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Mais de um milhão de hectares já queimaram na Europa neste ano. Se já é inegável que o tempo seco e as sucessivas ondas de calor no continente contribuíram para o recorde, um novo estudo de atribuição mostra que a crise climática também preparou o terreno meses antes, tornando os incêndios 22% mais intensos.

A estimativa é do WWA (World Weather Attribution), painel de cientistas que investiga a responsabilidade da crise climática em eventos extremos. O estudo rápido, que ainda não tem revisão por pares mas trabalha com parâmetros e modelos climáticos consagrados, analisou dados de Turquia, Grécia e Chipre, que desde junho combatem incêndios florestais a temperaturas que alcançam os 45°C.

“Parece claro que algo semelhante se deu na Espanha e em Portugal, que registraram as maiores de destruição até a semana passada”, diz Friederike Otto, professora de Ciência do Clima e Política Ambiental do Imperial College, instituição que lidera os estudos do WWA.

“Hoje, com um aquecimento de 1,3°C [do planeta, em relação aos níveis pré-industriais], registramos novos extremos no comportamento dos incêndios florestais, que levam os bombeiros ao limite. O problema é que estamos caminhando para um aquecimento de até 3°C neste século se nada for feito”, afirma Theodore Keeping, pesquisador da instituição londrina, projetando uma situação sem transição para energia limpa.

Junto com especialistas de Turquia e Grécia, Keeping observou que o cenário da temporada atual de queimadas começou a ser formado há meses: a precipitação total no inverno na região diminuiu cerca de 14% em relação ao registrado na era pré-industrial, o que leva a condições mais secas no verão e a um maior grau de inflamabilidade.

Em seguida, o grupo analisou como o calor intenso e seco preparou as plantas para queimar pouco antes do início dos incêndios graças a uma métrica que reflete o quanto o ar está “com sede”, na linguagem do estudo. Descobriu-se que uma semana de condições de alta evaporação é agora cerca de 13 vezes mais provável e 18% mais intensa.

Uma situação similar de calor, secura e fortes ventos, segundo os modelos climáticos aplicados, seria um evento de frequência rara antes da adoção dos combustíveis fósseis, provável de ocorrer a cada 100 anos. Com o aquecimento global, a chance de repetição cai para 20 anos em termos estatísticos.

Somando tudo, as condições propícias a incêndios tornaram-se 10 vezes mais prováveis e 22% mais intensas devido às mudanças climáticas.

“Na Turquia, os incêndios dispararam muito cedo, na metade de junho. Em geral, isso é esperado apenas na metade de julho. Quando a vegetação está seca e os ventos são fortes, uma única ignição, independentemente da sua origem, de atividade humana ou não, pode rapidamente transformar-se num incêndio florestal difícil de controlar”, afirma Bikem Ekberzade, da Universidade Técnica de Istambul.

“Aqui na Grécia, enfrentamos quase três anos consecutivos de temperaturas mensais acima do normal. Isso torna os incêndios florestais extremos quase inevitáveis”, diz Apostolos Voulgarakis, professor da Universidade de Creta e diretor do departamento dedicado ao assunto no Imperial College.

Além de dados locais, o estudo de atribuição analisou uma variável desenvolvida no Canadá para medir a dificuldade de apagar uma queimada a partir de sua ignição. O DSR (Daily Severity Rating) combina temperatura, umidade, velocidade do vento e precipitação para determinar a intensidade do fogo.

“É essa variável que nos conta que as condições que provocaram tamanha devastação estão 10 vezes mais prováveis e 22% mais intensas devido à mudança climática”, explica Keeping, o pesquisador do Imperial College.

Mais de 50 mil pessoas foram evacuadas na Turquia, que registrou ainda 17 mortes em junho e julho. Foram identificados 624 incêndios florestais, que devastaram mais de 60 mil hectares.

Na Grécia, 32 mil tiveram que ser removidos, incluindo 5.000 turistas em Creta. Os prejuízos econômicos ainda são contabilizados.

No Chipre, 1% da ilha queimou, matando duas pessoas e obrigando a evacuação da população em 14 localidades.

Esse é o saldo abarcado pelo estudo. Os incêndios ainda estão em curso, com uma morte na Grécia agora em agosto, no que foi classificado como pior dia do verão no país até aqui.