VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – “Eu estou aqui para julgar filmes e para falar sobre cinema. As minhas posições políticas, eu garanto, estão de acordo com a de grande parte entre vocês.” Foi com essa fala cheia de dedos e fugindo de polêmicas que o cineasta americano Alexander Payne, presidente do júri do Festival de Veneza 2025, comentou o que todo mundo queria saber, em conversa com a imprensa nesta quarta, dia de abertura da 82ª edição do evento.

É que o grande interesse dos jornalistas era em ouvir como os membros do júri se posicionavam diante da manifestação do último domingo de um grupo de 1.500 profissionais do audiovisual que pediu, em carta aberta, que o festival tomasse uma posição mais firme condenando as ações de Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza. Demandaram, inclusive, que os atores Gal Gadot e Gerard Butler, defensores da política israelense, fossem desconvidados a apresentar seu novo filme, “In the Hand of Dante”, de Julian Schnabel, no festival.

A brasileira Fernanda Torres, que brilhou na edição de Veneza do ano passado em “Ainda Estou Aqui”, está entre os sete jurados desta edição, mas durante a conversa com a imprensa, apenas Payne falou com os jornalistas. Antes dele, o diretor do festival, Alberto Barbera, comentou a situação.

“Fomos solicitados a desconvidar alguns artistas. Mas não vamos fazer isso”, disse, ressaltando que Veneza se solidariza com o sofrimento dos habitantes de Gaza e que se posiciona contra os ataques de Israel. Mas deixou claro: “Os convidados, se quiserem vir ao Festival, poderão vir.”

Gadot já disse que optou por não ir a Veneza apresentar o filme e acredita-se que Butler, seu colega de elenco, também evitará passar pelo Lido.

Polêmicas à parte, a programação de Veneza teve início com a exibição do longa “La Grazia”, do italiano Paolo Sorrentino. O filme mostra os últimos meses no cargo de Mariano De Santis, presidente da Itália fictício, vivido por Toni Servillo. Já perto do fim do mandato, o líder italiano entra em uma espécie de crise existencial. Não se questiona muito sobre o tipo de líder que foi e se suas ações foram produtivas ou não. Prefere pensar no que o espera pela frente e em acertar algumas contas com o passado.

Como último ato presidencial, Santis opta por rever um projeto muito importante elaborado por sua filha, que, como ele, é jurista de formação, sobre a legalização da eutanásia. Também analisa a possibilidade de dar perdão presidencial -e, assim, tirar da cadeia- duas pessoas que foram presas por assassinato, mas cujos crimes, de certo modo, poderiam ser enquadrados como casos especiais de eutanásia.

Uma das presidiárias é Isa, que por anos foi violentada pelo marido, até resolver assassiná-lo -segundo ela, uma eutanásia para liberar o marido “daquela doença”. O outro é Cristiano, um professor que optou por tirar a vida da mulher que sofria com Alzheimer em estágio avançado -para alívio dele próprio, é bem verdade, mas sobretudo para o dela.

Enquanto reflete sobre esses casos, sem muita certeza de sua própria visão sobre vida e morte, o presidente tenta compreender melhor sua relação distanciada com os filhos e entrar em termos com uma traição matrimonial que sofreu há 40 anos, por sua então mulher, hoje já morta.

Pode até parecer, pela descrição, que é um filme que se pretende a discutir a questão da eutanásia e talvez até tomar algum partido, mas definitivamente não é o que Sorrentino faz em seu filme. A questão existe ali sobretudo de maneira simbólica, para falar da própria relação do protagonista com aquele momento de crise que enfrenta, em que transita entre mortes e renascimentos metafóricos.

“La Grazia” mostra um Sorrentino fazendo um cinema mais parecido com o que praticava no começo da carreira, em filmes como “As Consequências do Amor”, de 2004, do que em sua obra mais conhecida, sobretudo após “A Grande Beleza”, de 2013. Desta vez menos felliniano e mais fiel a seus instintos pessoais, ele parece também mais à vontade com o material com o qual trabalha, sem tanta pirotecnia visual vazia como em seu malsucedido “Parthenope, os Amores de Nápoles”, de 2024.

Não é um filme de todo convincente -é claro que uma crise existencial deve surgir em meio a mais dúvidas do que respostas, mas talvez o cineasta pudesse fornecer ao espectador alguma visão mais definida sobre seu personagem do que apenas questionamentos.

Ainda assim, o filme permite a Toni Servillo excelentes instantes, mesmo que em mais uma variação dos seus personagens sorrentinianos de sempre –é quase um milagre que ele jamais soe repetitivo apesar de seu registro dramático nunca sofrer grande alteração. É mais uma bela parceria entre o cineasta e seu ator preferido.