SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das mais tradicionais escolas de samba de São Paulo pode ficar fora do Carnaval do ano que vem. Uma disputa relacionada com a eleição da atual diretoria foi parar na Justiça e pode tirar o Camisa Verde e Branco dos desfiles de 2026.

A história envolve acusações de lado a lado, questionamentos sobre veracidade de documentos e até invasões à quadra da escola.

Érica Ferro foi eleita para comandar a escola em 2022. A votação teve chapa única. Entretanto, Carlos Alberto Dias de Mello, conhecido como Xará, questiona o pleito. Ele diz que sua chapa foi impedida de participar do processo eletivo, o que é negado por ela.

Érica afirma que, na época da eleição, não sabia das intenções de Xará de disputar a presidência. Segundo ela, o pleito foi divulgado amplamente e registrado em edital. Além disso, Xará não teria ido à quadra da agremiação oficializar sua participação no prazo correto.

Já segundo Xará, a confusão começou porque a convocação para as eleições não foi divulgada ao público. Na época, diz ele, devido à falta de comunicação sobre o processo eleitoral, registrou suas intenções de concorrer a presidência da escola em cartório.

Xará afirma que tirou como base para o registro a data prevista no estatuto do Camisa.

De acordo com advogados da escola, a atual direção só tomou ciência desse registro dois anos depois, em 2024, quando houve uma notificação judicial.

No começo deste ano, a Justiça determinou que uma nova eleição deveria ser realizada e marcou o pleito para o mês de junho. Contudo, a votação não saiu do papel. Entre vários motivos, não houve acordo sobre quem teria direito a votar no pleito.

Outro ponto de divergência ocorreu quando, também neste ano, a juíza do caso determinou que Érica deveria ser a presidente interina, em conjunto com Francisco Carlos da Costa, que foi o presidente na gestão anterior à eleição conflituosa.

Octagenário, Francisco não tem comparecido à quadra do Camisa Verde e Branco desde que a juíza tomou a decisão de incluí-lo como presidente interino. Tampouco tem participado dos eventos.

Érica foi vice-presidente na gestão de Francisco (2018-2022). Já Xará é primo dele.

Sem a assinatura de Francisco, nenhum contrato pode ser firmado, e a escola está paralisada. Não pode, por exemplo, fechar parcerias ou patrocínios.

Segundo Érica, Xará “está escondendo e manipulando [o Francisco]” para evitar que ela consiga administrar a escola. Carlos Xará nega.

A reportagem tentou várias vezes conversar com Francisco, inclusive por meio de advogados que atuam no caso, mas não conseguiu até a publicação deste texto.

Diante da falta de acordo, no dia 19 de agosto a juíza Tamara Hochgreb Matos, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que seja realizada uma audiência de conciliação na quinta (28).

“Como derradeira tentativa de colocar alguma ordem na organização da eleição determinada e viabilizar sua efetiva realização, diante das inúmeras divergências de todas as espécies entre as partes, e para que seja estipulado como serão identificados os associados com direito a voto”, diz a juíza na decisão.

Enquanto isso, o Camisa está com a produção do Carnaval parada e corre o risco de ficar fora do desfile.

O contrato entre a Liga das Escolas de Samba e as agremiações deve ser assinado em 15 de setembro. Sem uma definição sobre a presidência, a agremiação da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista, não poderá firmar o acordo.

Caso isso ocorra, a escola ficaria, em tese, não apenas fora do desfile do Grupo Especial, mas do Carnaval. O prejuízo tende a ter reflexos nos anos seguintes pois, sem desfilar, o mais provável seria um rebaixamento.

O contrato também é base para outros acordos como, por exemplo, sobre transmissão dos desfiles, o que também significaria prejuízo financeiro.

A Folha de S.Paulo entrou em contato com a Liga e com seu presidente, Renato Remondini. A entidade respondeu que não iria comentar o caso, pois a situação ainda está em andamento na Justiça.

Membros da escola e torcedores que conversaram com a reportagem afirmam temer que o imbróglio tire o Camisa do desfile de 2026 ou que atrase os trabalhos, o que poderia dificultar as chances na disputa.

Em maio deste ano, a escola não participou da cerimônia que escolheu a ordem dos desfiles. Com isso, a Liga determinou que o Camisa será a última agremiação a se apresentar, no sábado, 14 de fevereiro, período que a maioria das agremiações tenta evitar.

Além disso, enquanto escolas como Rosas de Ouro, Vai-Vai e Mocidade Alegre já divulgaram os seus enredos, o Camisa ainda não definiu oficialmente o tema do desfile, já que não se sabe qual diretoria vai comandar o Carnaval.

Érica Ferro afirma que, embora não tenha divulgando, já tem o Carnaval de 2026 mapeado. “Enredo pensado, pessoas que irão trabalhar na produção… Temos os trabalhos para o Carnaval de 2026 bem adiantados já, só não foi divulgado. Claro que vou ter que trabalhar muito mais agora [em razão do entrave].”

Xará não entrou em detalhes, mas afirmou que tem um plano para o Carnaval do ano que vem, caso ocorra uma eleição e ele vença. “Estamos com tudo estruturado. Entramos em contato com profissionais. Não vou divulgar, mas tenho um plano.”

Nas últimas semanas, a quadra da escola foi invadida, mais de uma vez. Segundo a diretoria atual, foram retirados os assentamentos religiosos do local. A polícia foi acionada.

Nove vezes campeão do Carnaval (o último título foi em 1993), o Camisa Verde e Branco é uma das mais tradicionais escolas de São Paulo. No ano passado, terminou na quinta colocação, com um desfile sobre o Cazuza. As rodas de samba na Barra Funda são frequentadas por sambistas renomados desde a década de 1960.