BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Duas empresas investigadas por corrupção e superfaturamento se uniram e venceram uma licitação de R$ 231 milhões do Governo do Pará para realizar obras de asfaltamento ligadas à COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas).

Documentos obtidos pela Folha de S.Paulo mostram que o Consórcio RMB foi aberto em 4 de setembro de 2024. Dois dias depois, a sociedade assinou o contrato com a gestão Helder Barbalho (MDB).

O consórcio é composto por cinco empresas. Uma delas é a ARF Construção e Engenharia, que, segundo a CGU (Controladoria-Geral da União), foi a principal beneficiada de um esquema de direcionamento de licitações e superfaturamento em obras de pavimentação na cidade de São Miguel do Guamá (PA).

Outra é a J A Construcons, que foi alvo da PF (Polícia Federal) por suspeitas de irregularidades que envolvem o secretário de Obras do governo de Helder Barbalho (MDB) —como revelou o portal Metrópoles—, e por compra de fuzis —como mostrou a Folha de S.Paulo.

As investigações sobre as duas integrantes do consórcio têm um protagonista em comum: o deputado federal Antônio Doido (MDB-PA).

Procurado, o Governo do Pará afirmou que nenhuma das empresas “possuía restrições legais ou administrativas que impedissem a celebração do contrato”.

“O consórcio vencedor apresentou a melhor proposta entre as 11 concorrentes, de acordo com critérios técnicos e econômicos estabelecidos no edital, atendendo integralmente às exigências para a contratação”, completou o órgão.

Procurados desde o último dia 15, o deputado e as empresas não responderam.

“Os projetos são licitados e executados exclusivamente pelo governo estadual”, disse a Secretaria Extraordinária da COP30 do governo Lula (PT).

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A ARF E ANTÔNIO DOIDO

O contrato de R$ 231 milhões vencido pelo Consórcio RMB é para a “pavimentação e requalificação” de cerca de dez vias principais e mais de 200 secundárias de Belém, com prazo até 2026.

Entre as integrantes deste consórcio está a ARF Engenharia. Um relatório da CGU obtido pela Folha de S.Paulomostra que ela foi a principal beneficiada de um esquema com a Prefeitura de São Miguel do Guamá de direcionamento de licitações e superfaturamento de obras.

Entre os envolvidos está o então prefeito da cidade, justamente Antonio Doido (ficou no cargo entre 2016 e 2020), além de ex-funcionários seus e servidores da gestão municipal.

A CGU afirma que há indícios de “montagem de processos licitatórios por meio de manipulação de documentos e informações, com a conivência dos agentes públicos, com a finalidade de favorecer as licitantes vencedoras dos certames”.

A apuração aponta que, de 2018 a 2020, três empresas arremataram 33 de 35 licitações da cidade, que somam R$ 90,6 milhões, o que inclui recursos federais, estaduais e municipais —a ARF foi a maior vencedora, com R$ 45,5 milhões.

A CGU aponta que essas contratações não obedeceram a critérios de economicidade. Em pelo menos cinco desses casos (que somam quase R$ 20 milhões), o órgão identificou R$ 3,3 milhões de superfaturamento.

A controladoria encontrou falhas e irregularidades na execução das obras, que eram para pavimentação de vias, mesmo serviço contratado pelo Governo do Pará para a COP30.

Desde 2018, indica o relatório, a ARF teve dois donos. Primeiro, em 2018, ela foi administrada pela esposa de um funcionário de confiança do então prefeito.

Naquele ano, a companhia passou para Luiz Braga Filho, que ainda hoje aparece como seu dono. De 2015 a 2017, período que antecede o esquema investigado, ele foi funcionário de uma outra construtora que pertencia, na época, a Doido —depois, ele repassou o negócio ao seu irmão.

Procurada, a Prefeitura de São Miguel do Guamá disse que os eventos aconteceram em gestões passadas.

“Desde o início da gestão, em 2021, as empresas mencionadas não possuem contratos com a prefeitura municipal. Além disso, não há servidores no quadro atual apontados pela CGU como envolvidos nas irregularidades citadas”, afirmou a atual gestão da cidade.

J A CONSTRUCONS

Outra das empresas que compõe o Consórcio RMB é a J A Construcons, que é investigada pela PF por suspeita de corrupção em outro contrato da COP30.

A polícia aponta, como mostrou a Folha, que a empresa lavaria recursos com saques em espécie e foi usada para compra de armamento pesado.

Informações da Receita Federal mostram que tanto o Consórcio RMB quanto a J A são administradas pela mesma pessoa, Andrea Dantas.

Segundo a PF, ela é esposa e laranja de Antônio Doido no esquema de corrupção. Procurada para comentar, Andrea não respondeu.

A ARF e a J A Construcons dividem o mesmo escritório de contabilidade e compõem um outro consórcio, chamado Pav10, também administrado por Andrea Dantas.

O contrato de R$ 231 milhões do Consórcio RMB com o Governo do Pará chegou a ser questionado no Tribunal de Contas da União, supostamente por envolver a melhoria de vias que não exigiam realização de obras. O órgão, porém, declinou a competência para apurar os fatos.

Os recursos, relacionados à COP30, são executados pela gestão Barbalho, mas passam por financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e da Usina de Itaipu.

Procurado, o banco afirmou que o projeto é “executado exclusivamente pelo governo estadual”, que faz o “acompanhamento técnico-financeiro” dos recursos e que pode aplicar sanções se for o caso, mas que não recebeu até aqui informações sobre possíveis irregularidades.

“A Itaipu não se manifesta sobre hipóteses ou investigações em andamento. Ressalta, no entanto, que todos os convênios firmados preveem mecanismos de controle e a possibilidade de solicitar a devolução de valores caso seja comprovada a aplicação irregular dos recursos”, disse a usina.