SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo que suas personagens faltem à terapia e a violência seja a única saída, nem todos os filmes de Darren Aronofsky precisam ser densos. Ao menos é o que o diretor quer provar com “Ladrões”, adaptação de “Caught Stealing”, romance de Charlie Huston, que estreia nesta quinta-feira (28).

“O mundo é muito complicado. O importante é aproveitar bem a vida. Eu queria que as pessoas pudessem se esquecer dos seus problemas por duas horas”, afirmou o cineasta no último dia 11, durante uma masterclass no México, transmitida ao vivo em salas de toda a América Latina.

Após perder os sonhos para um grave acidente, um ex-jogador de beisebol, papel de Austin Butler, leva os dias atrás do balcão de um bar. Ele resiste à bebedeira dos clientes e tem em Yvonne, namorada vivida por Zoë Kravitz, sua grande alegria. Tudo muda quando os ucranianos que perturbam o melhor amigo decidem passar a persegui-lo.

Entre gangues internacionais e uma dupla de rabinos sanguinários, esta é outra produção de Aronofsky que submete seu protagonista a uma trilha infernal, onde cada dificuldade supera a anterior, diversos traumas vêm à tona e o ritmo acelerado beira a loucura.

Se a bailarina ambiciosa de “Cisne Negro” e o professor obeso em “A Baleia” miram reflexões existenciais, a ideia da vez, por outro lado, é que os tiros, as trocas de soco e o ronco dos motores eletrizem a plateia.

“É curioso. Nas gravações, a equipe estava convencida de que havia um grande significado. Eles trocavam interpretações e supunham o que cada personagem representava. Foi algo que me fez sorrir. Acho ótimo que as pessoas busquem significados. Mas num nível maior, eu só queria fazer algo muito divertido”, diz ele à Folha de S.Paulo.

Em 2017, quando veio ao Brasil apresentar “Mãe!”, ele defendeu o seu suspense controverso. Estrelado por Jennifer Lawrence, o longa a representa como força da natureza e desenvolve alegorias religiosas para explorar a corrupção do espírito humano.

A crítica se dividiu entre o ódio e a idolatria e frases negativas viraram estratégia de divulgação. Orgulhoso do roteiro supostamente escrito em cinco dias, o cineasta disse que não tinha receio em desagradar.

Enquanto uns condenaram a obra, mistura de drama e horror com direito ao assassinato de bebês, outros buscaram explicações em vídeos baseados na Bíblia. Não foi a primeira nem a última vez que o seu trabalho dividiu opiniões.

Das viagens temporais em busca da “Fonte da Vida” -sci-fi tido por muitos como pretensioso- ao drama de viciados em “Réquiem para um Sonho” -quando retratou o uso de drogas e a exploração sexual que lhe rendeu o título de “moralista”–, um único gênero nunca lhe pareceu suficiente.

“Sempre misturei gêneros. ‘O Lutador’ não é exatamente um filme de esportes. A ESPN nunca o viu como tal e não me deu nenhum prêmio. ‘Réquiem’ não é exatamente um filme sobre drogas, ‘Cisne Negro’ não é exatamente um terror. Dessa vez quis me prender estritamente a um gênero, e escolhi os filmes de crime.”

Apesar das transformações, o berço de Aronofsky segue o mesmo. Ele retorna à Nova York e homenageia os lugares onde cresceu. Foi lá que gravou os surtos psicóticos de sua estreia, “Pi”, e, alguns anos depois, arruinou os pobres coitados de “Réquiem” -como o nome sugere, um tipo de cortejo fúnebre.

Dessa vez, no entanto, a atmosfera é solar, a trilha é regada ao punk rock do Idles, e inspirações como “Depois de Horas” resultam num longa que tenta honrar a energia da cidade nos anos 1990.

“Era como se a cidade fosse o ápice da humanidade. Nossa maior preocupação era a virada do milênio e a União Soviética havia colapsado. O hip-hop, o grunge e a música eletrônica nasciam e o maior problema com o nosso presidente era um caso extraconjugal. Tudo ia bem naquele momento”, explica.

No começo, os custos de um filme de época o assustaram, mas ele percebeu que não havia alternativa. Conforme as suas palavras, as noites nova-iorquinas faziam falta.

“Tive o prazer de colocar as Torres Gêmeas de volta ao mapa. Especialmente para os que nasceram antes de 2001, elas tinham muito significado. Todos conseguiam vê-las de qualquer lugar, o tempo todo. Isso é Nova York. Um lugar onde todos podem se unir e se solidarizar”, afirma ele com esperança.

Em maio, Aronofsky inaugurou um estúdio dedicado a testar inteligência artificial para produzir curtas-metragens. Na contramão de certas filosofias, ele vislumbra um momento emocionante para qualquer criador de imagens.

“Não tenho arrependimentos. Os altos e baixos de qualquer jornada dizem muito sobre as nossas vidas. Talvez os meus filmes sejam únicos justamente por terem sido difíceis de se fazer. Se eu tivesse feito o que todos queriam, a viagem teria sido muito mais fácil.”