SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alguns meses na salinha do castigo fizeram bem à SpaceX. Após uma pausa forçada com três voos malsucedidos, o último deles em maio, e uma explosão em solo durante um teste estático, em junho, o Starship realizou seu décimo voo cumprindo todos os objetivos estabelecidos pela empresa.

A decolagem aconteceu na abertura da janela, às 20h30 desta terça-feira (26), após duas tentativas interrompidas no domingo e na segunda, a primeira por um problema com sistemas de solo (vazamento em uma mangueira de propelente) e a segunda por condições meteorológicas adversas.

A terceira tentativa foi a boa e o primeiro estágio realizou seu costumeiro bom trabalho na ascensão. Dos 33 motores, um falhou durante a subida, mas o foguete é projetado para ser resiliente à falha de alguns motores. Por sinal, a manobra de pouso do primeiro estágio, conhecido como Super Heavy, contou com um teste intencional em que um dos motores centrais era desligado e substituído automaticamente por um do anel intermediário. A descida se deu suavemente, sobre as águas do Golfo do México.

Quanto ao segundo estágio, o Starship propriamente dito, fez a escalada nominal até uma “quase órbita”, como previsto -foi essa a etapa que havia falhado nas três tentativas anteriores, duas delas ainda durante a ascensão, e uma terceira já na trajetória final, mas sem controle de atitude. A nave começou a girar por um vazamento de combustível, impedindo as etapas subsequentes do voo.

Não desta vez, contudo. Para essa missão, o Starship manteve sua estabilidade de atitude e conseguiu finalmente fazer o teste de liberação de oito simuladores de satélites Starlink, tecnologia crucial para o futuro uso do foguete para lançamento de mais componentes da constelação satelital que fornece internet rápida e de baixa latência em qualquer ponto do globo. Quando for para valer, serão 60 satélites lançados a cada voo.

E por que “quase órbita”? Para esses voos de teste, a SpaceX adota uma trajetória suborbital que faz com que o foguete complete dois terços de uma volta na Terra antes de reentrar naturalmente na atmosfera, sobre o oceano Índico. É uma medida de segurança para garantir que o veículo não fique em órbita como lixo espacial caso haja algum problema.

Claro, para futuros voos, será preciso atingir a velocidade orbital e aí, para a reentrada, um reacendimento dos motores do segundo estágio se faz necessário. Pouco mais de 37 minutos após a decolagem, o Starship realizou esse teste, reacendendo seu motor por um breve instante -algo que o fim prematuro dos voos anteriores havia impedido.

Depois disso, a emoção ficou por conta da reentrada, iniciada cerca de 45 minutos após a decolagem. Aqui muitos dos objetivos dos testes não dependiam de sistemas ativos -o principal desafio era observar o desempenho do escudo térmico do veículo, que, de propósito, contou com diversos tipos de telhas diferentes, variando em material, formato e espaçamento, além de ter alguns vãos entre eles, tudo para verificar sua capacidade de absorver o calor do reencontro com a atmosfera terrestre e proteger o interior da nave.

Esse é possivelmente o maior desafio técnico do Starship nessa fase de desenvolvimento -demonstrar um sistema de proteção térmica que permita a recuperação e a rápida utilização do veículo. Os experimentos conduzidos neste décimo voo estão longe de representar a configuração final, mas já foram suficientes para manter a integridade da nave a ponto de reativar seus motores para um pouso suave no oceano Índico.

Ambos os estágios não serão recuperados, mas pela primeira vez a SpaceX consegue cumprir todos os objetivos de um voo integrado do Starship em sua segunda versão. O programa agora parece estar de volta aos trilhos, depois de um 2024 espetacular e um 2025 cheio de incertezas.

O sucesso, contudo, que não significa que não existam enormes avanços a serem feitos antes que o maior foguete do mundo possa ser usado em missões para a Lua (como quer a Nasa, com seu programa Artemis) e para Marte (como quer a SpaceX, pela obsessão de Elon Musk de promover a colonização do planeta vermelho).

Para este ano, a empresa espera voar mais dois Starships na sua versão 2 para depois recomeçar os testes com a versão 3, em que o foguete mais uma vez ficará um pouco maior e terá motores Raptor atualizados. Espera-se que uma demonstração da recuperação do segundo estágio na plataforma, a exemplo do que já foi feito três vezes com o primeiro estágio, possa ser feita até o fim do ano. Para o ano que vem, a SpaceX espera demonstrar o reabastecimento em órbita. E então testar exaustivamente o foguete e demonstrar um pouso lunar não tripulado, passo essencial antes que astronautas possam voar a bordo dela para a missão Artemis 3, a primeira alunissagem do programa. No momento, ela está marcada para 2027, mas nem mesmo os maiores entusiastas da SpaceX acreditam que o Starship estará pronto para isso em pouco mais de dois anos. Veremos.